Onde a trilha toca o céu, cada passo é aventura…

“Caminhem com os pés na terra vivendo com o coração no céu”
São João Bosco

A manhã nasceu tímida, envolta por nuvens e algumas brechas de sol. A temperatura era agradável, o vento soprava suave – mas bastaram poucos passos para o calor começar a cobrar seu preço – o suor já escorria pelo rosto.
No início da trilha, atravessamos um riacho, equilibrando-nos sobre pedras e charcos de barro, ainda caminhando em terreno plano. Ao nosso lado, a serra se erguia imponente – o cume, nosso destino final, parecia quase inalcançável lá no alto.
Pouco a pouco, o pasto verde cedeu lugar a uma mata fechada, e reencontramos o mesmo riacho que atravessáramos antes. Suas águas límpidas formavam poços tentadores para um mergulho – mas a jornada estava apenas começando. Seguimos adiante, agora em aclive permanente.
A subida, constante e desafiadora, nos levou por trechos escorregadios e pedregosos. De tempos em tempos, uma janela nas nuvens surgia, permitindo olhar para trás e avistar, pequenino, o vale de onde partimos.
Em uma hora e meia, chegamos à primeira bifurcação, já 375 metros acima do ponto de partida. Mais trinta minutos de esforço e vencemos a segunda bifurcação, acumulando 555 metros de desnível – a metade do caminho. Foi aí que a trilha se mostrou desafiadora: o terreno ficou mais íngreme, o barro e as pedras tornaram cada passo uma luta.

Após três horas de caminhada, atingimos a terceira bifurcação, com um desnível de 970 metros. Fizemos uma pausa rápida para recuperar o fôlego e, com as energias renovadas, enfrentamos o último trecho de subida rumo ao cume do Pico do Itapeva.
Em cerca de três horas e meia, completamos a ascensão, alcançando 1.170 metros de ganho de altitude. Hora de hidratar, comer frutas e a famosa “misturinha” para reabastecer as forças.
A nebulosidade continuava dominante, permitindo apenas vislumbres do vale e da serra abaixo. Na descida, depois da terceira bifurcação, avistamos dois pequenos morros convidativos, que prometiam vistas panorâmicas incríveis e, atravessando um deles, poderíamos visitar uma cachoeira e ruínas de uma antiga arquearia. Uma tentação a ser explorada em outra aventura.
Por volta do meio-dia, o céu escureceu de repente – e a tempestade desabou. Bem diferente da previsão, a trilha virou um riacho em fúria, com pequenas cascatas se formando onde antes era só barro e pedra. A dificuldade na descida triplicou até chegar na segunda bifurcação. Depois disso, a chuva diminuiu, mas o terreno continuou traiçoeiro até o Ribeirão Grande.

Foi uma jornada intensa, desafiadora e inesquecível. No fim, somamos um impressionante desnível em altitude de 2.340 metros entre subida e descida.

Começamos a temporada em maio, no Parque Nacional de Itatiaia, com Morro do Couto, Circuito Cinco Lagos e Pedra do Altar. O desafio mesmo foi a Travessia Rancho Caído passando pelos Vales do Aiuruoca e dos Dinossauros, acesso a Pedra Ovos da Galinha, ascensão a Pedra do Sino, Picos Marombinha e Maromba, e visita as Cachoeiras Rancho Caído, dos Macacos e do Escorrega.
No final de maio e início de junho trilhamos a meia Travessia Marins-Itaguaré, sentido ida-volta Itaguaré-Pedra Redonda, com registro de mínima de 8ºC negativo no acampamento base Itaguaré. Ainda em junho visitamos os cinco mirantes na Trilha dos Mirantes com acampamento selvagem a 2.000 m de altitude, Serra da Mantiqueira.
Em julho, com amigos de São Paulo, fizemos um bate-volta até a Pedra do Abismo, Serra dos Poncianos, e visitação a Pedra da Onça, do Livro, Bosque dos Duendes e Pedrão Cheiro da Mata. Retornamos ao Parque Nacional de Itatiaia nas trilhas Pedra da Maça/Tartaruga, Base Prateleiras, Toca do Índio, Chapada da Lua, Mirante Cabeça do Leão e Pedra do Registro/Paredão dos Enamorados.
Em agosto retornamos na Trilha dos Mirantes em um bate-volta. Finalizamos a temporada em setembro, nas trilhas do Parque Estadual Pico do Marumbi na serra paranaense, nas trilhas do Caminho do Itupava – Cadeado e IAP Prainhas, visitação a Pedra Lascada, Cemitério dos Cadeados, Rochedinho, Rio Nhundiaquara, Cachoeira dos Marumbinistas e Trilha Frontal até o Pico Olimpo.
Contabilizamos 18 dias de trilhas e travessias em montanhas, atravessando serras e vales, bosques e matas, picos e cachoeiras, em 148 km e 84 horas.
Ao longo do vale do rio Paraíba do Sul, temos elevações naturais que se destacam das terras ao redor, descansando sob uma serra contínua e aparentemente suave, onde a vista consegue apenas distinguir uma silhueta uniforme em contraste com o azul.
É um ser vivo que abrasa, desgasta, sedimenta e se movimenta, ao longo de milhões e milhões de anos. Felizmente, estamos sobre terras contínuas, distante das zonas de convergência da crosta. Por isso mesmo, sem grandes elevações em altitude.
Em contrapartida, temos belezas naturais impares, ficando evidente quando caminhamos sobre elas. Nestas terras, não são as altitudes que nos deixam sem folego, e sim as condições climáticas e geográficas distintas que nos desafiam a cada jornada.
Logo, no cume do gigante, ao final da tarde, sua sombra escondeu Cruzeiro e parte da planície no vale. Quando desci o maciço o sol se arrumou do outro lado do horizonte e a face leste ficou ficou ao abrigo das sombras, com realce para outras cidades no vale.
Ao amanhecer, a montanha mostrou uma nova perspectiva. A face oeste estava mergulhada na escuridão, escondendo a magnitude da encosta íngreme e destaque para os cumes pontiagudos. Esta visão foi se modificando ao longo da caminhada.
Ao meio dia, a montanha se transformou em outra. Tom cinza, fendas escuras e vegetação esverdeada até as escarpas mais íngremes. Novamente o município de Cruzeiro aparece timidamente, distante, em linha reta, apenas quinze quilômetros do pico.
Na manhã seguinte, com o sol a pino, uma outra face se revelou, aparentemente arredondada e com visibilidade dos montanhistas notadamente minúsculos. Mais uma vez outra face se abriu, agora um imenso paredão rochoso.
O rochoso escarpado anunciou a grandeza do paredão. Uma enorme fenda ficou evidente. É o pulo do gato, uma pedra entalada entre a fenda e o abismo. Uma passagem necessária para em seguida fazer duas escalaminhadas e alcançar o cume.
Como a segurança deve estar em primeiro lugar, é recomendado usar uma corda de uns vinte metros, alguns mosquetões, fitas de escalada e cadeirinhas, para ancorar em ambos os lado e atravessar com segurança.
Ao descer o vale do Aiuruoca, à primeira vista temos a formação rochosa Ovos da Galinha e ao lado a pedra do Sino de Itatiaia. Como estávamos na Travessia do Rancho Caído, fizemos uma visitação nestes dois atrativos naturais.
Atravessando uma das nascentes do rio Aiuruoca, seguimos a direita com a visão da pedra do Sino e bem ao fundo a pedra do Altar. Paramos na sombra dos Ovos da Galinha para vislumbrar a imponência do maciço rochoso do Sino.
A trilha seguiu numa ascensão inicial mais inclinada e suavizou na metade da subida. Com olhar atento no caminho, que sutilmente se desenha nas curvas de nível e totens ao longo do trajeto, com uma vista panorâmica espetacular.
Assim, os Ovos da Galinha pareciam menores e outras formações rochosas curiosas surgiram quando atravessamos o trecho menos inclinado, com destaque para a serra ao fundo dos picos Marombinha e Maromba.
Ao chegar no cume, a 2.670 m de altitude, fomos primeiramente assinar o livro. Deste ponto, a amplitude do Parque Nacional de Itatiaia é imensa, com destaque para o pico Agulhas Negras, pedra do Altar e morro do Couto.
A visão é ampla, 360º a perder de vista. Com ajuda de um binóculo podemos ir longe na observação do caminho das trilhas, do acampamento Rancho Caído, e até do pico do Papagaio em Aiuruoca e pedra do Selado em Visconde de Mauá.
Os mirantes na Serra da Mantiqueira se espalham nas trilhas e travessias em montanha. Algumas vezes escondidos e outras escancarados para quem quiser ver.
Um mirante e um abismo, parceiros inseparáveis. Um enxerga as entranhas da terra, e o outro, vislumbra na linha do horizonte o perfil da serrania.
Nos mirantes acima das nuvens ficamos com a impressão de estarmos no olimpo dos deuses. Às vezes, parecem estar tão próximas que podemos tocá-las.
Em todo mirante podemos vivenciar este espetáculo singular da natureza, o nascer e/ou o pôr do sol.
No entanto, ao cair da noite é que percebemos a extensão de um pequeno povoado ou um grande centro urbano. As luzes artificiais irão ofuscar sua vista.
Nas entranhas da montanha, as raízes brotam com força e resiliência das profundezas da terra. Em campos rochosos gritam na superfície e deixam cicatrizes únicas como testemunhas do tempo. Uma conexão profunda entre passado e presente.
As raízes, entrelaçadas com a terra, buscam sustento nas camadas abreviadas de solo. É como um ímã, uma ligação ancestral que ecoa nos caminhos daqueles que vieram antes ou passaram, mesmo que por um curto tempo, em nossa vida.
Tanto que as árvores crescem e se manifestam ao longo do tempo, em ramificações que moldam o curso de uma jornada. Como nossos ancestrais, ao longo das gerações, o curso de uma vida se projeta nas consciências individuais e coletivas.
Na língua tupi significa Serra Verde. Localizada entre Antonina e Campina Grande do Sul, no Paraná. Esta região concentra dezenas de montanhas, as mais altas da região sul do Brasil, em um dos berços do montanhismo brasileiro.
O acampamento selvagem é necessário, no entanto a recompensa a cada pernoite é um nascer e pôr do sol espetacular. Em cada cume, a perspectiva que se tem é de uma visão singular das montanhas adjacentes.
As lindas paisagens da mata atlântica ao longo de cada jornada são reforçadas com um visual 360º da serra do mar e do litoral paranaense, com destaque ao anoitecer para o realce das luzes noturnas de Antonina e Paranaguá.
Simplesmente de perder o folego ao caminhar na crista das montanhas e vales profundos, em desníveis acentuados, terrenos de pedra, raízes e barro, trilhas abertas e outras mais fechadas, e trechos expostos com vias ferrata e cordas.
O clima é outro fator determinante para o sucesso do empreendimento, devendo ser analisado previamente. É fundamental um bom planejamento e logística, sem falar do preparo físico, seja com mochila cargueira ou de ataque.
Apresentaremos em novos posts as trilhas até o cume dos picos Caratuva, Itapiroca e Paraná.
Me aventurei numa terra escondida, desconhecida, ainda sem nome. A primeira vez que a vi, examinei com atenção. Além de um rochoso, as pedras na encosta da montanha confirmaram os mirantes naturais.
A mesma terra escondida que quando criança imaginava uma grande parede, contínua, sombreada e distante. Logo depois fui aprender que era uma grande cadeia montanhosa, chamada de Mantiqueira.
Significa “serra que chora”, nome dado pelos indígenas, graças as nascentes que descem pelas encostas da serra organizando riachos e afluente rios, até formar o rio Paraíba do Sul no Vale do Paraíba.
Nesta parte de terra escondida da serra, não a vi chorar. Seus minadouros estão bem abaixo na vastidão da sua extensão. Pousei ao lado de um rochoso, enviesado para o sul de minas, abrigado da ventania que vem do vale.
Em terra escondida não se engane, mesmo os mais experientes desbravadores, são fustigados pelo jângal, que arrebata sua energia e pensamentos. Limpa sua mente de tal forma que até fica desorientado.