Onde a trilha toca o céu, cada passo é aventura…

“Caminhem com os pés na terra vivendo com o coração no céu”
São João Bosco
Tem dias em que o vento parece falar, não em palavras, mas em empurrões e desconforto. Hoje foi um desses dias – e, mesmo assim, resolvemos subir a montanha.
O vento não parava. Ele não atrapalhava, mas também não dava descanso. Estava ali o tempo todo, como uma presença firme, lembrando da força da natureza. A trilha seguia a quase dois mil metros acima do nível do mar, aberta para o horizonte em todas as direções. O vale lá embaixo parecia distante, e o céu, mais perto do que nunca.
Quando o sol começou a descer, o céu transitou de um azul calmo para um laranja intenso. O vento seguia firme, trazendo um som constante e vibrante, alto demais para não ser ignorado, mas também convidava a um silêncio interno, que eu escolhi manter.
Mais tarde, dentro da barraca, com o vento ainda uivando lá fora, tentei acompanhar aquele som incessante, deixando que ele embalasse meus pensamentos. A noite estava escura, uma noite de lua nova, e as luzes das cidades que se espalhavam ao longo do vale brilhavam destemidas, como faróis iluminando todo o vale.
O vento não descansou durante a noite. Soprou firme, como se quisesse me lembrar de que ali, naquele lugar alto e exposto, não há pausa. Antes do amanhecer, saí da barraca. O céu ainda era escuro, mas já havia uma linha de luz crescendo no horizonte.
E ali, de pé, com o rosto voltado para o leste e o vento ainda presente, vi o dia nascer. Não havia espetáculo, só um lento clarear das formas e das cores. Talvez o vento não precise ser domado ou vencido. Talvez ele seja apenas um lembrete de que, mesmo quando tudo parece insistir em não parar, a única escolha é estar presente, aceitar o ritmo, escutar o que o silêncio por trás do barulho tem a dizer, e aprender a caminhar com o vento – não contra ele.
Saia, vá para o campo, aproveite o sol e tudo o que a natureza tem para oferecer. Saia e tente recapturar a felicidade que há dentro de você; pense na beleza que há em você e em tudo ao seu redor, e seja feliz. A beleza continua a existir mesmo no infortúnio. Se procurá-la, descobrirá cada vez mais felicidade, e recuperará o equilíbrio. Uma pessoa feliz tornará as outras felizes; uma pessoa com coragem e fé nunca morrerá na desgraça.
Anne Frank

A trilha do Salto dos Macacos está localizada na região de Morretes, dentro do Parque Estadual Pico do Marumbi, no estado do Paraná. O acesso é feito pela histórica estrada Caminho do Itupava, até o posto do IAP em Porto de Cima, a cerca de 11 km do centro de Morretes.

A entrada no parque é gratuita, mas é necessário realizar um cadastro no posto e iniciar a trilha até às 9h, com retorno obrigatório até às 14h. Isso porque, no início do percurso, há duas travessias pelo rio Nhundiaquara, que podem se tornar perigosas em caso de cabeças d’água. Em dias com previsão de chuva, o acesso pode ser fechado sem aviso prévio por motivos de segurança.

A trilha começa com uma caminhada de aproximadamente 250 metros pela estrada, seguida pela primeira travessia do rio Nhundiaquara. A partir daí, o trajeto se torna mais desafiador e imersivo, subindo a Serra do Mar paranaense com um ganho de altitude de 300 metros – apesar disso, não apresenta grandes dificuldades técnicas.


O caminho segue por dentro da mata atlântica, passando por trechos de atoleiros, riachos e, ocasionalmente, obstáculos como árvores caídas. Após cerca de 3 horas de caminhada, o final da trilha desce em direção ao leito rochoso do rio dos Macacos.



O ponto alto do passeio são as piscinas naturais de águas cristalinas, perfeitas para um mergulho revigorante. A surpresa fica por conta do Salto dos Macacos, escondido entre as sombras da mata, inacessível devido ao terreno escarpado e escorregadio. Já a impressionante queda abrupta do rio oferece uma vista deslumbrante do Conjunto Marumbi.

A manhã nasceu tímida, envolta por nuvens e algumas brechas de sol. A temperatura era agradável, o vento soprava suave – mas bastaram poucos passos para o calor começar a cobrar seu preço – o suor já escorria pelo rosto.
No início da trilha, atravessamos um riacho, equilibrando-nos sobre pedras e charcos de barro, ainda caminhando em terreno plano. Ao nosso lado, a serra se erguia imponente – o cume, nosso destino final, parecia quase inalcançável lá no alto.
Pouco a pouco, o pasto verde cedeu lugar a uma mata fechada, e reencontramos o mesmo riacho que atravessáramos antes. Suas águas límpidas formavam poços tentadores para um mergulho – mas a jornada estava apenas começando. Seguimos adiante, agora em aclive permanente.
A subida, constante e desafiadora, nos levou por trechos escorregadios e pedregosos. De tempos em tempos, uma janela nas nuvens surgia, permitindo olhar para trás e avistar, pequenino, o vale de onde partimos.
Em uma hora e meia, chegamos à primeira bifurcação, já 375 metros acima do ponto de partida. Mais trinta minutos de esforço e vencemos a segunda bifurcação, acumulando 555 metros de desnível – a metade do caminho. Foi aí que a trilha se mostrou desafiadora: o terreno ficou mais íngreme, o barro e as pedras tornaram cada passo uma luta.

Após três horas de caminhada, atingimos a terceira bifurcação, com um desnível de 970 metros. Fizemos uma pausa rápida para recuperar o fôlego e, com as energias renovadas, enfrentamos o último trecho de subida rumo ao cume do Pico do Itapeva.
Em cerca de três horas e meia, completamos a ascensão, alcançando 1.170 metros de ganho de altitude. Hora de hidratar, comer frutas e a famosa “misturinha” para reabastecer as forças.
A nebulosidade continuava dominante, permitindo apenas vislumbres do vale e da serra abaixo. Na descida, depois da terceira bifurcação, avistamos dois pequenos morros convidativos, que prometiam vistas panorâmicas incríveis e, atravessando um deles, poderíamos visitar uma cachoeira e ruínas de uma antiga arquearia. Uma tentação a ser explorada em outra aventura.
Por volta do meio-dia, o céu escureceu de repente – e a tempestade desabou. Bem diferente da previsão, a trilha virou um riacho em fúria, com pequenas cascatas se formando onde antes era só barro e pedra. A dificuldade na descida triplicou até chegar na segunda bifurcação. Depois disso, a chuva diminuiu, mas o terreno continuou traiçoeiro até o Ribeirão Grande.

Foi uma jornada intensa, desafiadora e inesquecível. No fim, somamos um impressionante desnível em altitude de 2.340 metros entre subida e descida.

Apesar de já ter explorado muitas trilhas pela Serra da Mantiqueira, essa jornada teve um sabor especial. O formato de “travessia e circuito” trouxe um desafio a mais – não apenas pela distância percorrida, mas pelo desnível em plena Mata Atlântica. Deixamos de lado a tranquilidade carnavalesca de São Francisco Xavier para nos perdermos na beleza do entardecer avermelhado que tingia as montanhas do Sul de Minas, e à noite, a lua nova, tímida, despontava sobre Monte Verde.
A natureza, como sempre, nos reservou surpresas. Após cruzarmos o Vale dos Duendes, devido ao som de galhos quebrando, fomos presenteados com a rara visão de um grupo de muriquis – serenos, balançando entre as copas das árvores. Mas o grande susto da expedição veio à noite, já acampados na mata próxima à Pedra da Lua. Um ruído constante, como de uma “garoa fina”, revelou-se algo inusitado – centenas de formigas cruzando nosso acampamento.
No dia seguinte, a trilha mostrou sua face mais impiedosa. A metade do percurso foi marcada por obstáculos naturais – árvores e bambus caídos cobrindo a trilha, exigindo fôlego e atenção redobrada. Ainda assim, a recompensa veio com o entardecer, quando alcançamos o Acampamento dos Mirantes. Como de costume, após o jantar, seguimos até o mirante da Pedra Bela Vista. Lá, mais uma vez, nos rendemos à vista noturna e estonteante do Vale do Paraíba.

Foi uma aventura repleta de descobertas – entre elas, a bela revelação da Pedra da Lua, do lado mineiro da serra. Dali, cada formação rochosa parecia contar uma história, compondo uma vista de beleza singular que ficará para sempre na memória.



Começamos a temporada em maio, no Parque Nacional de Itatiaia, com Morro do Couto, Circuito Cinco Lagos e Pedra do Altar. O desafio mesmo foi a Travessia Rancho Caído passando pelos Vales do Aiuruoca e dos Dinossauros, acesso a Pedra Ovos da Galinha, ascensão a Pedra do Sino, Picos Marombinha e Maromba, e visita as Cachoeiras Rancho Caído, dos Macacos e do Escorrega.
No final de maio e início de junho trilhamos a meia Travessia Marins-Itaguaré, sentido ida-volta Itaguaré-Pedra Redonda, com registro de mínima de 8ºC negativo no acampamento base Itaguaré. Ainda em junho visitamos os cinco mirantes na Trilha dos Mirantes com acampamento selvagem a 2.000 m de altitude, Serra da Mantiqueira.
Em julho, com amigos de São Paulo, fizemos um bate-volta até a Pedra do Abismo, Serra dos Poncianos, e visitação a Pedra da Onça, do Livro, Bosque dos Duendes e Pedrão Cheiro da Mata. Retornamos ao Parque Nacional de Itatiaia nas trilhas Pedra da Maça/Tartaruga, Base Prateleiras, Toca do Índio, Chapada da Lua, Mirante Cabeça do Leão e Pedra do Registro/Paredão dos Enamorados.
Em agosto retornamos na Trilha dos Mirantes em um bate-volta. Finalizamos a temporada em setembro, nas trilhas do Parque Estadual Pico do Marumbi na serra paranaense, nas trilhas do Caminho do Itupava – Cadeado e IAP Prainhas, visitação a Pedra Lascada, Cemitério dos Cadeados, Rochedinho, Rio Nhundiaquara, Cachoeira dos Marumbinistas e Trilha Frontal até o Pico Olimpo.
Contabilizamos 18 dias de trilhas e travessias em montanhas, atravessando serras e vales, bosques e matas, picos e cachoeiras, em 148 km e 84 horas.
Ao longo do vale do rio Paraíba do Sul, temos elevações naturais que se destacam das terras ao redor, descansando sob uma serra contínua e aparentemente suave, onde a vista consegue apenas distinguir uma silhueta uniforme em contraste com o azul.
É um ser vivo que abrasa, desgasta, sedimenta e se movimenta, ao longo de milhões e milhões de anos. Felizmente, estamos sobre terras contínuas, distante das zonas de convergência da crosta. Por isso mesmo, sem grandes elevações em altitude.
Em contrapartida, temos belezas naturais impares, ficando evidente quando caminhamos sobre elas. Nestas terras, não são as altitudes que nos deixam sem folego, e sim as condições climáticas e geográficas distintas que nos desafiam a cada jornada.
Logo, no cume do gigante, ao final da tarde, sua sombra escondeu Cruzeiro e parte da planície no vale. Quando desci o maciço o sol se arrumou do outro lado do horizonte e a face leste ficou ficou ao abrigo das sombras, com realce para outras cidades no vale.
Ao amanhecer, a montanha mostrou uma nova perspectiva. A face oeste estava mergulhada na escuridão, escondendo a magnitude da encosta íngreme e destaque para os cumes pontiagudos. Esta visão foi se modificando ao longo da caminhada.
Ao meio dia, a montanha se transformou em outra. Tom cinza, fendas escuras e vegetação esverdeada até as escarpas mais íngremes. Novamente o município de Cruzeiro aparece timidamente, distante, em linha reta, apenas quinze quilômetros do pico.
Na manhã seguinte, com o sol a pino, uma outra face se revelou, aparentemente arredondada e com visibilidade dos montanhistas notadamente minúsculos. Mais uma vez outra face se abriu, agora um imenso paredão rochoso.
O rochoso escarpado anunciou a grandeza do paredão. Uma enorme fenda ficou evidente. É o pulo do gato, uma pedra entalada entre a fenda e o abismo. Uma passagem necessária para em seguida fazer duas escalaminhadas e alcançar o cume.
Como a segurança deve estar em primeiro lugar, é recomendado usar uma corda de uns vinte metros, alguns mosquetões, fitas de escalada e cadeirinhas, para ancorar em ambos os lado e atravessar com segurança.
Ao descer o vale do Aiuruoca, à primeira vista temos a formação rochosa Ovos da Galinha e ao lado a pedra do Sino de Itatiaia. Como estávamos na Travessia do Rancho Caído, fizemos uma visitação nestes dois atrativos naturais.
Atravessando uma das nascentes do rio Aiuruoca, seguimos a direita com a visão da pedra do Sino e bem ao fundo a pedra do Altar. Paramos na sombra dos Ovos da Galinha para vislumbrar a imponência do maciço rochoso do Sino.
A trilha seguiu numa ascensão inicial mais inclinada e suavizou na metade da subida. Com olhar atento no caminho, que sutilmente se desenha nas curvas de nível e totens ao longo do trajeto, com uma vista panorâmica espetacular.
Assim, os Ovos da Galinha pareciam menores e outras formações rochosas curiosas surgiram quando atravessamos o trecho menos inclinado, com destaque para a serra ao fundo dos picos Marombinha e Maromba.
Ao chegar no cume, a 2.670 m de altitude, fomos primeiramente assinar o livro. Deste ponto, a amplitude do Parque Nacional de Itatiaia é imensa, com destaque para o pico Agulhas Negras, pedra do Altar e morro do Couto.
A visão é ampla, 360º a perder de vista. Com ajuda de um binóculo podemos ir longe na observação do caminho das trilhas, do acampamento Rancho Caído, e até do pico do Papagaio em Aiuruoca e pedra do Selado em Visconde de Mauá.