Na travessia do Parque Estadual da Serra do Papagaio, cada curva revela novos recortes no horizonte.
No segundo dia, após parada na Cachoeira do Juju, refrescamos corpo e alma antes de iniciar uma longa subida, contornando mais um morro. Entre trilhas suspeitas, desviamos para o Vale das Araucárias e, ao perceber o caminho errado, retornamos a esquerda até reencontrar a trilha principal no Rancho do Caçador.
Já havíamos atravessado a Serra da Vargem, Serra da Careta e Serra da Chapada, e agora avançávamos pela Serra do Charco, onde a Cachoeira do Charco, no Rio Baependi, corria vigorosa, exigindo atenção redobrada. Sem ponto seguro sobre as pedras, atravessamos o rio após a queda, com mochila e bastões firmes, enfrentando a correnteza com cuidado.
A subida seguinte serpenteou suavemente até um terreno alto e plano, entrando na Serra D’Itacolomi. Cada passo se recompensava com vistas deslumbrantes de campos abertos, montanhas distantes e a luz dourada do entardecer refletindo nos vales.
Um segundo dia longo, marcado por memórias vívidas e a certeza de que essa travessia seria inesquecível.
Se você é do tipo que aprecia trilhas longas, cercadas por natureza preservada e pelo som das águas, o Parque Nacional da Serra do Cipó – Portaria Areias, guarda um convite especial. Ali, entre paredões que formam um pequeno cânion e uma cachoeira de beleza imponente, a jornada combina tranquilidade e desafio na medida certa.
O Cânion das Bandeirinhas é moldado pela erosão das rochas quartzíticas. O ribeirão abriu um corte profundo na serra, revelando paredões de 80 m e piscinas naturais de água cristalina. A trilha segue por estradas e trechos planos, cruzando campos de cerrado, o Ribeirão dos Mascates e pequenos cursos d’água. Apesar do relevo suave, a distância total de 24 km e os trechos expostos ao sol exigem preparo.
A Cachoeira da Farofa surge em meio a vegetação do cerrado, encravada na serra, com quedas sucessivas, que somam cerca de 70 m de altura e desaguam em um poço profundo, cercado por paredões de rocha quartzítica. Um desvio de 4 km de ida e volta leva até ela, atravessando cursos d’água e campos ensolarados. Ao chegar, a água despenca no poço, criando um cenário que impressiona e envolve.
O dia termina no Mirante do Bem, a cerca de 1.000 m de altitude, com visão panorâmica do Vale dos Mascates e do Vale do Bocaina. Ao todo, percorremos 33 km em 8 horas – 10 km a pé e 23 km de bike – encerrando a jornada com a sensação de dever cumprido e conexão total com a natureza.
Estas trilhas podem ser percorridas a pé e de mountain bike. O nível de dificuldade pode ser considerado fácil a moderado, especialmente quando se combina os dois modos de deslocamento. Como o terreno é praticamente plano, a principal exigência está na extensão do percurso e nos trechos expostos ao sol. Independentemente do ritmo, com paradas para banho e descanso, trata-se de uma trilha que ocupa o dia inteiro.
Mergulhei devagar, como quem entra em outra dimensão. A luz da superfície se fragmentava em mil pedaços, inundando o fundo com reflexos que dançavam sobre formas e cores. Logo percebi que ali era muito mais do que parecia ser.
Peixes atravessavam espirais amarelas como se seguissem correntezas invisíveis. Uma tartaruga, bem camuflada no fundo azulado – anciã, serena – guardiã desse mundo de profundezas silenciosas. Havia flores de cores e formas que alucinavam, folhas em movimento, um macaco curioso atrás de um cacho de banana – lembrança viva das matas tropicais que já percorri.
De repente, um caramujo repousava em espirais azuis, como se o tempo girasse dentro de sua concha. Abaixo, um tatu caminhava pelo leito arenoso, enquanto uma borboleta multicor flutuava tranquilamente, sem o bater das asas.
Mais adiante, uma coruja me observava – olhos de sol e lua, guardiã do mistério noturno. E, ao lado, um felino branco, uma silhueta sem olhos — seria um gato ou um guepardo? – Atento, parado, fantasmagórico. Até um galizé surgiu nas profundezas do meu delírio.
Atento, vejo sóis, luas e estrelas riscando aquele mergulho, unindo o céu, a terra e as profundezas. Era como se cada ser vivo, cada cor, cada forma, fosse um fragmento do que vivi – nas selvas escondidas, nas cavernas de águas turbulentas, nas lagoas silenciosas, nos rios de poços cristalinos e nos oceanos de outra dimensão.
Um mosaico de lembranças que nunca se desfaz, apenas ressurge na superfície. Tudo parece tão real – mergulhado nas memórias de um instante fora do tempo. Porque o que foi vivido não afunda na memória – brilha na superfície.