Antes do Voo

“Entre o silêncio e o vento, o pássaro interior se põe a voar.”

Os galhos se estendem como caminhos suspensos no ar.

Entre eles, o silêncio respira — antigo, paciente.

Um pássaro observa o horizonte que o vento desenha.

Nada acontece, e ainda assim o mundo se move.

Há algo no ar que lembra o tempo antes do tempo: o instante em que o voo ainda era apenas vontade.

O Brilho da Superfície

Mergulhei devagar, como quem entra em outra dimensão. A luz da superfície se fragmentava em mil pedaços, inundando o fundo com reflexos que dançavam sobre formas e cores. Logo percebi que ali era muito mais do que parecia ser.

Peixes atravessavam espirais amarelas como se seguissem correntezas invisíveis. Uma tartaruga, bem camuflada no fundo azulado – anciã, serena – guardiã desse mundo de profundezas silenciosas. Havia flores de cores e formas que alucinavam, folhas em movimento, um macaco curioso atrás de um cacho de banana – lembrança viva das matas tropicais que já percorri.

De repente, um caramujo repousava em espirais azuis, como se o tempo girasse dentro de sua concha. Abaixo, um tatu caminhava pelo leito arenoso, enquanto uma borboleta multicor flutuava tranquilamente, sem o bater das asas.

Mais adiante, uma coruja me observava – olhos de sol e lua, guardiã do mistério noturno. E, ao lado, um felino branco, uma silhueta sem olhos — seria um gato ou um guepardo? – Atento, parado, fantasmagórico. Até um galizé surgiu nas profundezas do meu delírio.

Atento, vejo sóis, luas e estrelas riscando aquele mergulho, unindo o céu, a terra e as profundezas. Era como se cada ser vivo, cada cor, cada forma, fosse um fragmento do que vivi – nas selvas escondidas, nas cavernas de águas turbulentas, nas lagoas silenciosas, nos rios de poços cristalinos e nos oceanos de outra dimensão.

Um mosaico de lembranças que nunca se desfaz, apenas ressurge na superfície. Tudo parece tão real – mergulhado nas memórias de um instante fora do tempo. Porque o que foi vivido não afunda na memória – brilha na superfície.

Aprender a Caminhar com o Vento

Tem dias em que o vento parece falar, não em palavras, mas em empurrões e desconforto. Hoje foi um desses dias – e, mesmo assim, resolvemos subir a montanha.

O vento não parava. Ele não atrapalhava, mas também não dava descanso. Estava ali o tempo todo, como uma presença firme, lembrando da força da natureza. A trilha seguia a quase dois mil metros acima do nível do mar, aberta para o horizonte em todas as direções. O vale lá embaixo parecia distante, e o céu, mais perto do que nunca.

Quando o sol começou a descer, o céu transitou de um azul calmo para um laranja intenso. O vento seguia firme, trazendo um som constante e vibrante, alto demais para não ser ignorado, mas também convidava a um silêncio interno, que eu escolhi manter.

Mais tarde, dentro da barraca, com o vento ainda uivando lá fora, tentei acompanhar aquele som incessante, deixando que ele embalasse meus pensamentos. A noite estava escura, uma noite de lua nova, e as luzes das cidades que se espalhavam ao longo do vale brilhavam destemidas, como faróis iluminando todo o vale.

O vento não descansou durante a noite. Soprou firme, como se quisesse me lembrar de que ali, naquele lugar alto e exposto, não há pausa. Antes do amanhecer, saí da barraca. O céu ainda era escuro, mas já havia uma linha de luz crescendo no horizonte.

E ali, de pé, com o rosto voltado para o leste e o vento ainda presente, vi o dia nascer. Não havia espetáculo, só um lento clarear das formas e das cores. Talvez o vento não precise ser domado ou vencido. Talvez ele seja apenas um lembrete de que, mesmo quando tudo parece insistir em não parar, a única escolha é estar presente, aceitar o ritmo, escutar o que o silêncio por trás do barulho tem a dizer, e aprender a caminhar com o vento – não contra ele.

Tomei um Abraço da Terra

“É muito melhor cair das nuvens que de um terceiro andar!”

Machado de Assis

Adaptação de trecho do livro “Memórias Póstumas de Brás Cubas”

A Linguagem Oculta das Montanhas

Entre os altos picos e o silêncio profundo das montanhas, existe uma linguagem secreta – uma sabedoria transmitida pelo vento, pela luz do amanhecer e pelas nuvens que deslizam suavemente. Neste espaço de serenidade e beleza, cada pedra e cada céu se tornam um convite ao recomeço, à reflexão e ao despertar da alma. Venha se perder na vastidão do horizonte, onde o impossível se torna possível e a natureza fala ao coração.

Era o mês de maio. A manhã fria anunciava o início de algo especial. A dois mil metros de altitude, o ar era leve, mas carregado de possibilidades. Naquele silêncio imenso das montanhas, tudo parecia se alinhar – o tempo, o espaço e o coração.

Ali na Pedra Alta, a natureza ensaiava um espetáculo raro. O nascer do sol tingia o céu de um alaranjado quente, cortando o frio com sua luz suave. A Serra da Mantiqueira despertava aos poucos, e junto com ela, um sentimento profundo – o de recomeçar.

Mais adiante, na Pedra Bela Vista, o cenário se transformava em pura poesia. Um mar de nuvens dançava sob o céu azulado, enquanto o Vale do Paraíba se escondia ao longe. Diante de tanta grandeza, me senti pequeno, e ao mesmo tempo, iluminado.

E então, só restava entregar-se – à pura contemplação, à atmosfera livre e ao infinito céu. Porque há momentos que não pedem pressa, apenas presença. São nesses instantes que a alma respira e o coração se alinha com o que realmente importa.

No alto das montanhas, entre o frio da manhã e o calor da luz nascente, mora a inspiração. E a certeza de que, enquanto houver noite e dia, sempre haverá um novo começo.

Um Lugar de Grande Brilho

No alto da montanha, sob a luz prateada da lua cheia, o tempo parecia desacelerar. A pequena fogueira crepitava suavemente, lançando sombras dançantes sobre a noite ao redor. O frescor da altitude trazia o cheiro da terra e da lenha queimando, enquanto as estrelas, incontáveis e brilhantes, se espalhavam e sumiam com a bruma aparente, como um manto sobre nós.

Lá embaixo, no vale, as luzes das cidades piscavam como vagalumes, um oceano dourado em movimento lento e cintilante, revelando histórias silenciosas de vidas entrelaçadas. Mas ali, no topo do Diamante, éramos nós, o fogo e a imensidão do universo. Tanto que, na quietude da noite, ouvi o fervor do ronco da água fluida das vertentes, nascidas no silencio da serra.

Quando o amanhecer chegou, tímido, escondido atrás das nuvens, se refletiu nos fachos das nuvens ruborizadas. E assim, o dia clareou o firmamento, tingindo o horizonte com um brilho suave e cálido. Um instante que se fez eterno, como uma alma livre. Senti paralisado nas ações e pensamentos, com a respiração pausada. O coração compreendeu, sem palavras, o significado.

O Farol

A noite escura nos envolveu em desoladora quietude no alto do rochedo frio. Por volta da meia-noite, uma chuva fina começou a cair, seu som confundindo-se com o das ondas que castigavam a encosta. No vasto mar, apenas uma penumbra quebrava a escuridão, e uma leve ondulação desenhava-se na linha do horizonte.

Nosso conforto vinha da pequena torre do farol. Sua luz forte e constante servia como um guia firme para as embarcações, evitando colisões com a traiçoeira península. Era uma verdadeira fonte de esperança, direção e segurança para os navegantes. Uma luz guia que cortava as trevas, orientando o caminho em noites sombrias.

Durante a madrugada, as horas escorreram devagar, como areia por entre os dedos. Então, uma faísca de luz despontou no horizonte. Entre nuvens baixas, o primeiro brilho do sol brincava de esconde-esconde, anunciando sua chegada. O nascer do dia explodiu em tons de vermelho e laranja, inundando o céu com sua paleta vibrante.

Num instante, tudo ao redor se iluminou, transformando a paisagem em um alegre azul diurno.

O Limiar entre Dois Mundos

No momento em que o sol se despede no horizonte e a noite começa a desdobrar seu véu de estrelas, estamos no limiar entre dois mundos. O céu é dominado por tons quentes que desbotam o azul no firmamento. Entre a luz fugaz e a escuridão iminente, sentimos um frio penetrante.

Neste instante, as formas rochosas se erguem como sentinelas silenciosas, enquanto a terra e o céu parecem arder em chamas, em nuances quase dolorosas à vista. A terra parece integrada ao infinito, como parte de algo maior, à medida que o crepúsculo avança. As sombras se dissipam, cedendo lugar à escuridão que dança com os astros e ao brilho das cidades.

Novas formas rochosas emergem como guardiãs, lançando um manto de mistério sobre a paisagem. A imaginação vagueia livremente até que o sono chegue, trazendo sonhos esquecidos que se dissolvem ao amanhecer. Na aurora gélida, antes dos primeiros raios de sol, o termômetro indica temperaturas abaixo de zero. Tudo ao redor parece congelado, inclusive minha mente. Por sorte, logo o sol traz consigo luz e calor.

O céu se transforma gradualmente em um novo espetáculo. Agora banhado pela radiante luz do dia. Neste novo momento o dia começa a desdobrar seu manto de esperança. Estamos em um novo limiar entre dois mundos.