Uma Nova Experiência – Ilhabela

Deslizamos montanha abaixo, rumo a uma jornada pelo litoral norte de São Paulo. Entre uma trilha e outra, surgiu uma oportunidade única: remar nas águas que banham esse trecho do litoral. Após planejamento, treinamento e avaliação das condições atmosféricas e marítimas, aceitei o convite de um amigo experiente em canoagem oceânica. Para mim, um novato nesse universo, esta seria uma experiência inaugural.

A manhã despertou bela, banhada por um sol radiante, vento brando e mar com ondas suaves. A partir do canal e da balsa de Ilhabela, saímos pela encosta direita da ilha de São Sebastião, seguindo próximo à margem rochosa, em direção à praia das Pedras Miúdas, próxima à Ilha das Cabras. Após contornar essa ilhota, remamos em direção à praia da Feiticeira, onde nossa aventura encontrou seu desfecho. Neste trajeto, margeamos a encosta de cinco pequenas praias encantadoras: Ilhote, Oscar, Tartaruga, Portinho e Sérgio.

A preparação prévia de treinamento na praia do Perequê revelou-se crucial. Até parecia que a remada espelhava o profissionalismo de canoístas experientes, pelo contrário, não era o meu caso. No final, o meu cansaço era aparente, mas energizado e com a sensação avassaladora de estar em sintonia com a natureza.

Luz do Dia – Nome da Nau

Chega apavorando geral, não deixa a gente dormir mais um bocadinho. Com a nau pronta para partir, clamo pelo vento que não se vê e rogo pela vida. Rumo mar adentro, lanço a rede da justeza e retidão. A colheita é vida para o sustento de cada dia. Na volta clamo por proteção no mar revolto. Que essa luz do alto me ilumine. Bem cansado e feliz por mais um ‘dia de trabalho’.

Pôr do Sol – Nome da Nau

Não canso de ti ver todos os dias. Vai embora devagarinho. Muitas vezes nem aparece. Tudo bem né, sei da sua grandeza e da humildade para deixar a lua chegar de mansinho, iluminando a vereda. Apesar da noite fria, me acolho em um porto seguro. Logo, a luz e calor me aquece outra vez, para ganhar força e arrastar a nau até o mar. Então chega radiante a “Luz do Dia”.

Voltar a Ser Livre – Sonho ou Realidade

Agora a liberdade está tão real nos sonhos. Às vezes questiono minha sanidade. Acordar e lembrar do sonho, voltar a dormir e sonhar de onde o sonho parou. Isso sim é maluco. Em um deles subi a colina com mais dificuldade, não desisti. Percebi tudo em preto e branco. Cadê as cores? Cadê a alegria? Senti a respiração ofegante. Olho para trás e nada vejo. Então fui em frente. Caminhei muito mais, por horas a fio. Sei que espírito livre precisa de corpo físico inanimado. Sempre são incansáveis horas de trabalho, as vezes estudo, mas sei bem que muitos deles nada lembro. Certo de que ainda não estou preparado para lembrar de todos. Acordo descansado. Agora tenho outra batalha para lutar. Sei que nesse orbe turbulento é preciso ser guerreiro nas atitudes do bem comum. Vou para o espelho, não é um sonho. Olho no olho, vai encarar? Elevo um sorriso silencioso e respeitoso. Sim existem inimigos lá fora, mas o maior deles acabei de confrontar. Então, coragem! Vamos à luta para lá fora voltar a ser livre.

Uma Baita Travessia – Ilhabela

Logo no primeiro aclive, um mar imenso, azul e misterioso. Atentei a batida das ondas na encosta. Sim, na travessia do canal, água calma como uma lagoa e na costeira sul-leste da ilha, impera grandes ondas, fortes correntes marítimas e muitos naufrágios.

Do Borrifos, a caminhada em estradinha de terra se transforma em trilha de pedras e terra batida, alternando planos e desníveis, longe da encosta, agraciado pela sombra da mata e refrescante água doce nas cachoeiras da Lage, Areado e Saquinho.

Após algumas horas, a trilha sai da mata, se acolhe próximo a encosta no estonteante mirante do Bonete. Ali bem escondida, a comunidade caiçara do Bonete vive tranquilamente, onde se proseia com os caiçaras as histórias, lendas e mistérios da ilha.

No segundo dia, após bom descanso e café da manhã reforçado, seguimos na travessia subindo o mirante da Barra para nos despedirmos do Bonete. Olhando para o lado sul da ilha, uma extraordinária vista da Ponta do Boi.

De volta a trilha, em pouco tempo alcançamos a praia das Enchovas. Admirável praia, deserta, por toda extensão literalmente revestida em pedras, até tocar o mar no canto oposto, onde as pedras se agigantam em belas formações para mar adentro.

Atravessamos um refrescante riacho para seguir, na margem oposta, a trilha em direção à praia de Indaiauba. Outra pausa, deste ponto a travessia se afasta da costa, segue picada na mata, atravessa charcos, entre aclives e declives dentro do jângal atlântico.

Após horas de travessia, pausa rápida na praia Vermelha e seguimos para praia Mansa e depois até o destino final, a praia de Castelhanos. Era tarde de sábado e rolava aquele futebol na areia da praia. Ficamos por ali mesmo apreciando aquele entardecer.

No dia seguinte exploramos a enseada de Castelhanos, do mirante do Coração ao mirante, cachoeira e praia do Gato. Inclusive na praia do Gato, debaixo das pedras, pudemos temer as águas agitadas e perigosas das marés e ondas fortes.  

No último dia, subimos a estradinha de terra em direção a balsa para voltar ao continente. Nos despedimos da comunidade caiçara de Castelhanos. Naquela manhã o mar estava bem calmo e a praia deserta, encoberta por um misterioso nevoeiro.

Em cada acampamento, deixamos o local onde acampamos igual como o encontramos. O lixo produzido foi trazido conosco e descartado em local apropriado.

Selva D’água – Serra do Mar

Dias tórridos de calor com temperaturas acima dos trinta graus célsius e umidade cem por cento dentro da selva. A serra do mar encravada numa cordilheira de montanhas, do litoral ao planalto do vale do Paraíba, até os melhores e bem preparados caminhantes serão exauridos pelo desgaste fulminante dentro da selva da serra do mar. Com a roupa molhada de suor, entre um riacho e outro, o único meio para se refrescar era cair dentro d’água e buscar proteção do sol escaldante.

Entre uma clareira e outra a respiração ecoava nas arvores. Na mata densa, na busca pelo canto das aves, o silencio do meio dia era incomodador. Na picada da trilha o vento se escondia no mato. O suor escorria aos olhos. A cada parada, o resgate por um novo folego. A hidratação e respiração era fundamental para se manter a sanidade. Ao ver os amigos, cada um sabia das dificuldades e não podíamos parar por muito tempo. O jeito era continuar a passos lentos, com cuidado, a cada trecho, escorregadio no barro e difícil nas pedras com os troncos e raízes testando nossa atenção.

Na caminhada sem fim, a mata parecia sempre igual, não fazia diferença, o verde mais verde, a cada curva, aclive ou declive, tudo igual. Da selva minava água de todos os cantos, uma verdadeira selva d’água. Belíssimas quedas d’águas se anunciavam para nossa breve alegria. Em respeito a mãe terra, baixamos a cabeça, levantamos o espirito em oração; E caminhamos a passos firme.

Pico de São Sebastião – Parque Estadual de Ilhabela

Começamos o ano em grande estilo subindo o ponto culminante da Ilhabela, o Pico de São Sebastião, em caminhada de um dia.

Logo ao amanhecer saímos do Camping Palmar em direção ao sul da ilha. Após praia do Portinho e antes da praia da Feiticeira, saímos da estrada no portal de pedra em direção ao Chalé Recanto dos Pássaros e Cachoeira dos Três Tombos.

A caminhada tem aclives constantes a partir da cota 100 até o cume. Com trilha em mata fechada, úmida e quente, o terreno é bem acidentado e liso. Tivemos que rastejar por debaixo de bambuzais, desviar de espinhos e arvores caídas.

Como sempre, existe o perigo de animais peçonhentos e atenção redobrada nas pequenas bifurcações e trilhas de caçadores. A água é restrita mas pode ser encontrada na região do cume.

A caminhada iniciou no final da rua da caixa d’água, em estrada tomada pelo mato que em seguida segue em trilha margeando o lado esquerdo do rio.

Após meia hora de trilha passamos por uma pedra que parece um leme de navio, indicativo que estávamos na trilha certa. O caminho acessa trechos fechados de mato e tuneis de bambu onde o uso do facão foi essencial.

A cerca da cota 1.000 chegamos na Toca da Baliza, abrigo natural, excelente para pernoite ou emergência. Desse ponto entramos nos trechos mais íngremes com bambuzais em desnível. Ao chegar na pedra, contornamos pela direita até chegar em um pequeno descampado e mais adiante atingimos o cume a 1.380 m de altitude.

O vento sul trouxe nebulosidade. No cume a paisagem é incrível. Em meio ao movimento constante das nuvens avistamos no continente o município de São Sebastião e Serra do Mar.

Na ilha, mais ao sul vimos a praia do Bonete, Ponta do Boi e parte do Saco do Sombrio. Do lado do canal, pudemos avistar a vila da ilha e o Pico do Baepi.  

Totalizamos 9 horas entre ida, cume e retorno.

Excelente trilha!

Canoa de Voga – Parque Estadual de Ilhabela

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A canoa de voga é esculpida a partir de um único tronco de árvore do guapuruvu, cedro ou jequitibá, e chegava a ter 20 m de comprimento por 2 m de largura. O conhecimento da construção foi transmitido oralmente pelos nativos que habitaram a região.

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Ainda hoje vemos nas comunidades caiçaras a canoa de voga como meio de locomoção. No início era canoa a remo, então se acrescentou a vela dando origem ao nome, e depois adaptada para motor.

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No período colonial a canoa de voga foi muito utilizada para transporte de material para construção dos engenhos e fazendas, como também, transporte de açúcar, café e aguardente para as embarcações da época.

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Para Santos e Rio de Janeiro, transportavam tabaco, aguardente e uma infinidade de frutas, hortaliças, aves, ovos, cabritos, esteiras, objetos de barro, além é claro, de passageiros. Retornavam com arroz, feijão e carne. Ainda hoje são usadas para pesca e transporte de pessoas e produtos.

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A canoa de voga resiste aos tempos modernos de embarcações a motor, construída em fibra ou alumínio, onde o rigor da legislação ambiental proíbe o corte de árvores e a constatação da falta dos antigos mestres canoeiros.

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A canoa de voga é símbolo da relação de harmonia do caiçara com a natureza. Da mata que provê água doce, alimento e madeira como recurso para o caiçara adentrar ao mar em busca do pescado e se locomover entre as praias, ilhas e continente.

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Existem várias comunidades tradicionais caiçaras tanto no interior como no entorno do Parque Estadual de Ilhabela. Algumas comunidades estão no Saco do Sombrio, Bonete, Castelhanos, ilhas da Vitória e dos Búzios.

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Então nas trilhas pudemos ouvir histórias fantásticas de viagens, contadas através de gerações, das lembranças dos caiçaras, que marcam o ritmo da remada, esperam o melhor vento ou trançam a rede no Canto do Nema.

Pico do Baepi – Parque Estadual de Ilhabela

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O litoral norte de São Paulo reserva algumas montanhas fascinantes. Não é pela altitude, mas pela paisagem da mata que desce ao encontro do oceano formando encostas rochosas, praias e enseadas.

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Desde São Sebastião, durante a travessia da balsa ou até mesmo dentro da Ilhabela, o Pico do Baepi se destaca pelo enorme paredão rochoso com mais de 150 metros, chegando a 1.048 metros de altitude.

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O pico está localizado dentro da área do Parque Estadual de Ilhabela. A administração do parque preserva a trilha que leva ao topo do pico em três horas de caminhada. A distância total é aproximadamente sete quilômetros.

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A trilha do Pico do Baepi é toda sinalizada com placas de orientação e informações para educação ambiental. Não se engane achando que a trilha é fácil porque o caminho segue num aclive constante. Saindo da cota 200, são 850 metros de desnível até o cume.

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Com tempo limpo o visual é incrível tendo aos pés do pico a face urbana da ilha e suas enseadas. No canal de São Sebastião vemos desde pequenas embarcações até cargueiros e petroleiros.

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Do outro lado do canal, a cidade de São Sebastião com seu porto e o enorme terminal petrolífero. Ao Noroeste a enseada de Caraguatatuba e ao norte o litoral de Ubatuba.

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Local: Ilhabela / SP

Corrida Endurance 50K – Ilhabela

A própria organização denomina esta corrida de montanha como a mais casca grossa do circuito The North Face XTERRA Endurance. Não poderia ser diferente considerando que Ilhabela apresenta um imponente conjunto montanhoso.

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Este desafio ocorreu em junho, nas distâncias de 50 e 80 km. Pela segunda vez eu e um grupo de amigos descemos a serra para mais um XTERRA. Após dezenas de semanas de treinamento havia chegado o momento. Para um simples mortal do universo da corrida de montanha, a estratégia principal seria completar o percurso de 50K dentro do tempo limite.

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A velocidade foi trocada pela força, resistência e superação dos incontáveis obstáculos, como subidas, descidas, paralelepípedos, estrada, terra, trilhas na Mata Atlântica da Serra do Mar e areia das praias do Perequê e Castelhanos. Tudo isso envolto numa noite nublada com a lua cheia tentando aparecer no céu. Por sorte não tivemos chuvas como aquelas do ano passado. Uma corrida de alto nível técnico.

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Na distância dos 80 km, um amigo quase perdeu a largada pois foi antecipada para o período da manhã devido à probabilidade de chuvas, que não se confirmaram ao longo do dia. Aos demais restou a preparação e espera até as quatro horas da tarde. Para uma amiga havia ansiedade de ser estreante e para outros nada melhor que um bom cochilo antes da prova.

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Em menos de duas horas a corrida dentro da mata antecipou a escuridão. Neste tipo de prova existem outros obstáculos a serem superados. Além do físico, o mental precisa ser trabalhado para que os medos sejam controlados e que os pensamentos não sabotem a mente. E o que seria dos atletas sem uma lanterna de cabeça…

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Segundo a organização, no Endurance 50K largaram quase 200 atletas e 144 completaram o percurso dentro do tempo limite de 10 horas. Na distância de 80K largaram uns 80 atletas e apenas 33 completaram o percurso dentro do tempo limite de 14 horas. Realmente uma prova para poucos.

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Cruzar a linha de chegada foi a maior vitória! Agradeço e parabenizo meus amigos e a todos que conseguiram finalizar a prova. Cada um chegou ao seu limite, nas dores, até lágrimas, mas repleto de alegria pelo desafio superado. Celebração, abraços e ótimas lembranças. Seguramente fomos imbuídos de uma proteção especial durante todo aquele final de semana e a certeza de uma vivencia marcada para sempre em nossas memórias.

Fotos: Wladimir Togumi.