Um Mundo Ainda Analógico

Em meio ao avanço digital que molda nossos dias, há lugares que parecem ter sido poupados pela pressa do tempo. A Enseada da Cajaíba e Ponta da Joatinga, no litoral sul do Rio de Janeiro, é um deles. Ali, a vida ainda acontece com os pés descalços na areia, os olhos atentos ao mar e as mãos ocupadas com o que é real. É um mundo sem notificações, onde a infância corre solta entre ondas calmas e partidas de futebol improvisadas. Um cotidiano simples, mas cheio de presença – onde o analógico não é nostalgia, é vida.

Entre uma encosta e outra, deixei-me perder, no melhor dos sentidos, entre praias que apareciam e desapareciam a cada passo. O sol, alto no céu azul profundo, tingia de laranja a areia ainda molhada, enquanto ondas mansas deslizavam suavemente pelas curvas daquela enseada salpicada de embarcações de pesca.

Nas margens, pequenas comunidades se revelavam – casas caiçaras simples, algumas de veraneio, outras abrigando pequenos comércios locais. Mas o que mais chamou a atenção foram as crianças – em bandos, correndo para jogar uma pelada na praia ou se atirando nas ondas tranquilas. No píer de madeira, brincavam na beirada como se o risco não existisse, mergulhando no mar abrigado e voltando à superfície para mais um salto, mais uma gargalhada.

Era impressionante ver crianças de cinco, seis anos nadando com maestria e alegria, nenhuma com um celular nas mãos. Apenas vozes, gritos e risadas enchendo o ar – entre um “tibum” e outro – criando uma atmosfera leve, viva, cheia de liberdade.

E os adultos? Alguns ocupados com redes e barcos, preparando-se para o trabalho no mar. As mães, de dentro das casas, observavam tudo com um olho na panela e o outro na janela – aquele cuidado silencioso e atento.

Era esse o cotidiano na Enseada da Cajaíba e Ponta da Joatinga – uma vida simples, vibrante e simplesmente humana.

Enseada da Cajaíba

” Em 2021 exploramos todas as trilhas no Saco do Mamanguá. Já no início de 2022 começamos pela Enseada da Cajaíba e Ponta da Juatinga.”

De Parati Mirim, numa pequena embarcação e manhã ensolarada, seguimos em direção à Praia Grande da Cajaíba.

O mar estava bem agitado depois do Saco do Mamanguá, que se acalmou ao chegar na praia grande. Confesso que contei os minutos até pisar novamente em terra firme.

Tocamos a praia grande ao meio dia. Paramos para almoço e seguimos na travessia da Praia Grande da Cajaíba até o Pouso da Cajaíba.

Sem pressa, apreciando a paisagem, atravessamos passo a passo, sentindo o calor da areia daquela praia selvagem, batizada de Itaoca.

Na sequência, chegamos em Calhaus, praia e pequeno vilarejo protegido por pedras da encosta ao mar. Logo, gastamos um dedo de proza com caiçara que restaurava sua rede.

Ao chegar em Itanema, antes da praia, parada em um poço para banho e descanso debaixo de um grande chapéu de sol.

Acenamos aos moradores das poucas casinhas na praia. Subimos a última encosta até nosso destino final, a praia Pouso da Cajaíba.  

Caminhamos a tarde toda, mas ainda havia tempo de sobra para apreciar o entardecer no Pouso da Cajaíba. Depois seguimos a procurar o Mar do Caribe.

Pedra das Araras

” Após ter feito a travessia Saco do Mamanguá-Vila do Oratório duas vezes, sendo, uma vez em cada sentido. Agora, explorando a Enseada da Cajaíba e suas Pedras.”

No segundo dia, logo cedo subimos uma hora de caminhada em direção ao interior da vila. Do alto do Pouso da Cajaíba, avistamos uma panorâmica do mar.

Chamaria esse local de “Trilha Ossada da Baleia”, dado que encontramos uma vertebra de baleia próximo a uma gigantesca pedra em formato de baleia.

De volta a praia, um cafezinho na padaria e seguimos até o mirante da Pedra Frutada. Não tem nenhuma indicação, então perguntando aqui e ali, chegamos lá. Linda vista!

Depois fomos prosear com o Sr. Zaqueu sobre a Pedra das Araras. Uma trilha que pode ser confusa, com algumas bifurcações e matagal arranha-gato.

No topo da Pedra das Araras descobrimos uma visão de uma imensidão de mar a perder de vista.

Nos deparamos também com toda a extensão da Enseada da Cajaíba, da praia Grande até o Pouso, e a escondida praia Toca do Carro.

Como a ventania estava forte, carregou bastante nebulosidade até a encosta, deixando tudo esbranquiçado.

Após horas na Pedra das Araras, a descida foi rápida até o Pouso. Já era meio da tarde quando paramos no Mar do Caribe.

Para fechar o dia, no final da tarde, fomos agraciados com aquela água doce escorrendo da rocha até a areia amarela, ao encontro da pequena praia, de mar azul-esverdeado, a belíssima Toca do Carro.

Ponta da Juatinga

“No verão caminhamos no litoral, escolhemos a dedo dias sem tempestades, apesar que não tem como escapar do calorão e alta umidade. Desta vez na Ponta da Juatinga.”

No penúltimo dia, ao alvorecer, café da manhã reforçado para um longo dia de caminhada. Partimos em direção à praia da Sumaca, subindo a trilha para Martim de Sá. Uma trilha em mata atlântica.

Bem no alto da serra desviamos na trilha a esquerda. Além da beleza da mata primária com enormes árvores e alguns regatos, avistamos animais silvestres como um bando de Quatis.

Cuidado! Na praia da Sumaca tem correnteza nos cantos da praia e grandes ondas. Na areia encontramos uma Caravela. Apesar da aparência bela, é um animal marinho perigoso, que provoca queimaduras se tocar em seus tentáculos.

Ainda na praia, após as grandes pedras, encontramos uma fonte de água doce. Não é uma ducha fácil de entrar, devido ao pouco espaço. No caminho d’água forma duas pequenas banheiras naturais, e depois flui agilmente até o mar.

Depois seguimos na trilha até a Ponta da Juatinga, com algum panorama das encostas. 

Na vila caiçara Ponta da Juatinga, ficamos observando as crianças brincando no mar, até a chegada da Vitória, uma jovem barqueira nata, para nos levar de volta ao Pouso da Cajaíba.

No dia seguinte, uma grande nebulosidade revestiu o céu desde a Ilha Grande até a enseada. Do barco nos despedimos daquele pequeno paraíso.

Em mar plano e calmo alcançamos Parati Mirim, e demos início ao retorno para casa.

Vida Caiçara – Travessia Mamanguá, Cajaíba e Juatinga

A vida caiçara é dura, mas…

Observando os barquinhos de pesca chegando na praia, me ocorreu a lembrança dos pescadores e seus causos.

” Das longas jornadas em alto mar quando até os mais experientes são assolados pelo enjoo. O perigo das grandes ondas que lavam a alma. Onde se manter a bordo é uma luta pela sobrevivência. Vida de pescador é difícil.

A pesca artesanal se acabando devido a competição com os pescadores predatórios. Hoje em dia, sem tanto peixe, alguns vão longe para dentro do grande mar. Outros vão embora para a cidade, na esperança de um trabalho melhor, que não existe. Alguns se organizam em associações para se fortalecerem.

Existe esperança no ecoturismo sustentável de base comunitária, para complementar a renda que não vem mais da pesca abundante. Eles resistem em suas terras e parecem felizes. “

A TRAVESSIA

Esta travessia do Saco do Mamanguá, Enseada da Cajaíba, Ponta da Juatinga, Cairuçu das Pedras, Ponta Negra, entre Parati Mirim e Vila do Oratório / praia das Laranjeiras, litoral sul do Rio de Janeiro, é um trekking singular no desafio da travessia e das belas paisagens costeiras. A travessia pode ser realizada em ambos os sentidos. Para facilitar o deslocamento, o trekking foi realizado fora da alta temporada e do clima  de verão.

As trilhas bordejam encostas, em subidas e descidas pela mata atlântica, até o encontro com enseadas e praias paradisíacas. No período da tarde devido ao sol e alta umidade, as paradas eram frequentes. Com isso mergulhávamos na observação respeitosa do modo de vida simples das comunidades que habitam essa região costeira. O entardecer era louvável na expectativa de cumprir o percurso, achar um acampamento para pernoite e poder contemplar mais um pôr do sol.

Em cada acampamento, deixamos o local onde acampamos igual como o encontramos. O lixo produzido foi trazido conosco e descartado em local apropriado.

A vida caiçara é feliz!

Reserva Ecológica da Juatinga – Travessia Oratório-Juatinga-Cajaíba-Mamanguá

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A Reserva Ecológica Estadual da Juatinga foi criada em 1992 e também é parte integrante da Área de Proteção Ambiental do Cairuçu.   

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A Ponta da Juatinga tem elevada importância na proteção dos atrativos naturais de grande beleza cênica composta por uma fauna e flora ameaçada de extinção, o farol e atrativos culturais de populações representantes da cultura caiçara tradicional.

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Por terra, ou pelo mar, chegamos a praia do Sono. Na década de 60, centenas de famílias caiçaras viviam da pesca artesanal e da agricultura. Atualmente algumas dezenas de famílias vivem dos campings, turismo de verão e feriados prolongados.

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A travessia percorre as praias dos Antigos, Antiguinhos e Galhetas, locais de acampamento proibido. Na praia da Ponta Negra a história diz que numa canoa de voga quatro homens aportaram por lá e fundaram o vilarejo.

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O desafio é seguir adiante na trilha mais íngreme e longa da travessia. Local ímpar de trilha na Mata Atlântica até a bela Cairuçu das Pedras. O caminho ainda reserva a beleza do Saco das Enchovas até a praia Martim de Sá.

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A travessia tem seus desafios recompensados pela natureza exuberante, pessoas simples e que amam a natureza como a Branca na Ponta Negra, o Sr. Apricho no Cairuçu e o Sr. Maneco na Martim de Sá.

Esta travessia percorreu a Ponta da Juatinga, Enseada da Cajaíba, Saco do Mamanguá até Parati Mirim.

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Local: Parati Mirim / RJ