Um Mundo Ainda Analógico

Em meio ao avanço digital que molda nossos dias, há lugares que parecem ter sido poupados pela pressa do tempo. A Enseada da Cajaíba e Ponta da Joatinga, no litoral sul do Rio de Janeiro, é um deles. Ali, a vida ainda acontece com os pés descalços na areia, os olhos atentos ao mar e as mãos ocupadas com o que é real. É um mundo sem notificações, onde a infância corre solta entre ondas calmas e partidas de futebol improvisadas. Um cotidiano simples, mas cheio de presença – onde o analógico não é nostalgia, é vida.

Entre uma encosta e outra, deixei-me perder, no melhor dos sentidos, entre praias que apareciam e desapareciam a cada passo. O sol, alto no céu azul profundo, tingia de laranja a areia ainda molhada, enquanto ondas mansas deslizavam suavemente pelas curvas daquela enseada salpicada de embarcações de pesca.

Nas margens, pequenas comunidades se revelavam – casas caiçaras simples, algumas de veraneio, outras abrigando pequenos comércios locais. Mas o que mais chamou a atenção foram as crianças – em bandos, correndo para jogar uma pelada na praia ou se atirando nas ondas tranquilas. No píer de madeira, brincavam na beirada como se o risco não existisse, mergulhando no mar abrigado e voltando à superfície para mais um salto, mais uma gargalhada.

Era impressionante ver crianças de cinco, seis anos nadando com maestria e alegria, nenhuma com um celular nas mãos. Apenas vozes, gritos e risadas enchendo o ar – entre um “tibum” e outro – criando uma atmosfera leve, viva, cheia de liberdade.

E os adultos? Alguns ocupados com redes e barcos, preparando-se para o trabalho no mar. As mães, de dentro das casas, observavam tudo com um olho na panela e o outro na janela – aquele cuidado silencioso e atento.

Era esse o cotidiano na Enseada da Cajaíba e Ponta da Joatinga – uma vida simples, vibrante e simplesmente humana.

Sexta-feira numa Comunidade Caiçara – Saco do Mamanguá

Após aportar em águas tranquilas, a tarde trouxe vento terral e baixa-mar. 

Era tarde de sexta-feira na comunidade caiçara da praia do Cruzeiro. Simplesmente fiquei paralisado com os tons azulados da vista do Saco do Mamanguá. Entre nuvens, o sol encobria o que estava por vir, o pôr do sol.

O calor já não era escaldante. Então chegara o momento de caminhar na areia molhada da praia do Cruzeiro e acompanhar como verdadeiramente tranquilo é uma sexta-feira nestas bandas. Preguiçoso era meu caminhar naquele entardecer.

Assim chegou à tardinha o céu azul-alaranjado. As águas do mar recuaram, as marolas sumiram e a comunidade simplesmente curtia aquele pôr do sol. Os juvenis brincavam naquela aparente lagoa salgada. Algumas poucas crianças se lambuzavam na lama de areia, olhando como se eu fosse um ser de outro planeta. Alguns jovens e adultos ficaram à espreita para ver o anoitecer.

O império da natureza, como sempre, trouxe mais um magnifico pôr do sol.

Um menino brincava com seu cachorro sem perceber o espetáculo a tempo, enquanto que outro parecia anestesiado com aquelas cores, do azul-alaranjado, entre claro escuro, e o prateado se misturando nas águas e céu do Mamanguá.

Do outro lado, a lua no quarto crescente disputando atenção com o Pico do Pão de Açúcar. No relógio, nem dezenove horas ainda eram. Assim é uma sexta-feira na comunidade da praia do Cruzeiro.

Trilha do Bonete – Parque Estadual de Ilhabela

” Pode-se ir de barco, mas o bom mesmo é curtir a trilha parando nas cachoeiras e no final descobrir uma praia quase deserta e ainda prosear com caiçaras no Canto do Nema. “

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O trekking é considerado nível alto devido os constantes desníveis ao longo dos 12 km de trilha em terreno acidentado.

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Deixamos o carro no estacionamento do Zé da Sepituba. De mochila cargueira partimos da Ponta da Sepituba, sul de Ilhabela, em direção à praia do Bonete. Dia perfeito para caminhar, de temperatura amena e quase sempre na sombra das árvores.

Após 2,5 km de caminhada chegamos na cachoeira da Lage. Aqui paramos no poço onde forma um tobogã natural. Como sempre fomos atacados por borrachudos, então o jeito foi ficar o maior tempo possível dentro d’água.

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” A trilha larga deixou o registro da tentativa de se fazer uma estrada até a vila do Bonete. Em 1977 foi regulamentado como área de parque estadual, garantindo assim a preservação. “

A próxima parada foi na cachoeira do Areado após 4 km de trilha e depois mais 3,5 km para chegar na cachoeira do Saquinho. Agora está fácil e mais seguro a transposição desses cursos d’água com as Passarelas Pênsil construídas nesses últimos anos.

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A beleza da mata atlântica e suas águas cristalinas ao longo da trilha são contagiantes e têm seu ápice na chegada ao Mirante do Bonete. Desse ponto podemos entender porque é considerada praia de surfista.

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Na praia, do lado direito é conhecido como Canto Bravo e no outro extremo o rio Nema, local onde abriga o rancho de canoas, conhecido como Canto do Nema. Na encosta acima vemos o Mirante da Barra e das Enchovas. Ao fundo a Ponta do Boi.

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Desta vez fomos surpreendidos por uma ressaca do mar que formava grandes ondas disformes e que nenhum surfista quis encarar naquele dia. Depois descobrimos que seria noite de lua cheia.

” Na sombra das Amendoeiras espreitamos a praia iluminada. A noite se desfez na grande lua cheia! “

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Lugar rustico que abriga uma tradicional comunidade caiçara que vive da pesca e turismo, onde a simplicidade e tranquilidade são o cartão de visita.

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Distante dos tempos quando foi inicialmente habitado pelo sesmeiro Antônio Bonete em 1608, nos dias atuais ainda resiste a loucura da urbanidade desregulada.

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” Sem carro, sem sinal de celular, a luz de vela e banho de água fria. Assim é o Bonete, feliz na sua simplicidade! ” 

Canoa de Voga – Parque Estadual de Ilhabela

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A canoa de voga é esculpida a partir de um único tronco de árvore do guapuruvu, cedro ou jequitibá, e chegava a ter 20 m de comprimento por 2 m de largura. O conhecimento da construção foi transmitido oralmente pelos nativos que habitaram a região.

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Ainda hoje vemos nas comunidades caiçaras a canoa de voga como meio de locomoção. No início era canoa a remo, então se acrescentou a vela dando origem ao nome, e depois adaptada para motor.

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No período colonial a canoa de voga foi muito utilizada para transporte de material para construção dos engenhos e fazendas, como também, transporte de açúcar, café e aguardente para as embarcações da época.

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Para Santos e Rio de Janeiro, transportavam tabaco, aguardente e uma infinidade de frutas, hortaliças, aves, ovos, cabritos, esteiras, objetos de barro, além é claro, de passageiros. Retornavam com arroz, feijão e carne. Ainda hoje são usadas para pesca e transporte de pessoas e produtos.

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A canoa de voga resiste aos tempos modernos de embarcações a motor, construída em fibra ou alumínio, onde o rigor da legislação ambiental proíbe o corte de árvores e a constatação da falta dos antigos mestres canoeiros.

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A canoa de voga é símbolo da relação de harmonia do caiçara com a natureza. Da mata que provê água doce, alimento e madeira como recurso para o caiçara adentrar ao mar em busca do pescado e se locomover entre as praias, ilhas e continente.

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Existem várias comunidades tradicionais caiçaras tanto no interior como no entorno do Parque Estadual de Ilhabela. Algumas comunidades estão no Saco do Sombrio, Bonete, Castelhanos, ilhas da Vitória e dos Búzios.

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Então nas trilhas pudemos ouvir histórias fantásticas de viagens, contadas através de gerações, das lembranças dos caiçaras, que marcam o ritmo da remada, esperam o melhor vento ou trançam a rede no Canto do Nema.