Onde a trilha toca o céu, cada passo é aventura…

“Caminhem com os pés na terra vivendo com o coração no céu”
São João Bosco
Era segunda-feira, véspera do último dia do ano. A cada passo na trilha úmida e escorregadia, a Mata Atlântica parecia sussurrar segredos antigos. O cheiro terroso da vegetação densa misturava-se com o som da mata viva, com o encanto dos pássaros ecoando cantos de paz. Raízes, lama, descidas e subidas íngremes testavam o nosso fôlego. E então, lá estava ela. A imponente Cachoeira do Índio surgia como uma força da natureza, escondida no coração da mata virgem. Seus cem metros de águas turbulentas despencavam com uma fúria indomável, criando uma névoa refrescante que se misturava ao vento. O rugido da água ecoava pela floresta, um lembrete do poder bruto e da beleza selvagem do mundo natural. Era mais do que uma paisagem, era um momento gravado na alma.
Feliz e Próspero 2025!
Começamos a temporada em maio, no Parque Nacional de Itatiaia, com Morro do Couto, Circuito Cinco Lagos e Pedra do Altar. O desafio mesmo foi a Travessia Rancho Caído passando pelos Vales do Aiuruoca e dos Dinossauros, acesso a Pedra Ovos da Galinha, ascensão a Pedra do Sino, Picos Marombinha e Maromba, e visita as Cachoeiras Rancho Caído, dos Macacos e do Escorrega.
No final de maio e início de junho trilhamos a meia Travessia Marins-Itaguaré, sentido ida-volta Itaguaré-Pedra Redonda, com registro de mínima de 8ºC negativo no acampamento base Itaguaré. Ainda em junho visitamos os cinco mirantes na Trilha dos Mirantes com acampamento selvagem a 2.000 m de altitude, Serra da Mantiqueira.
Em julho, com amigos de São Paulo, fizemos um bate-volta até a Pedra do Abismo, Serra dos Poncianos, e visitação a Pedra da Onça, do Livro, Bosque dos Duendes e Pedrão Cheiro da Mata. Retornamos ao Parque Nacional de Itatiaia nas trilhas Pedra da Maça/Tartaruga, Base Prateleiras, Toca do Índio, Chapada da Lua, Mirante Cabeça do Leão e Pedra do Registro/Paredão dos Enamorados.
Em agosto retornamos na Trilha dos Mirantes em um bate-volta. Finalizamos a temporada em setembro, nas trilhas do Parque Estadual Pico do Marumbi na serra paranaense, nas trilhas do Caminho do Itupava – Cadeado e IAP Prainhas, visitação a Pedra Lascada, Cemitério dos Cadeados, Rochedinho, Rio Nhundiaquara, Cachoeira dos Marumbinistas e Trilha Frontal até o Pico Olimpo.
Contabilizamos 18 dias de trilhas e travessias em montanhas, atravessando serras e vales, bosques e matas, picos e cachoeiras, em 148 km e 84 horas.
O PEPM está localizado em uma região de Mata Atlântica que envolve o maciço do Marumbi. É parte da serra paranaense que separa a região litorânea do planalto, com elevações que chegam a 1.539 m de altitude, e desnível de 1.100 m de altura.
O ponto mais alto neste trecho da serra é o Pico Olimpo que está a 1.539m de altitude. Foi conquistado por Joaquim Carmeliano Olimpio em 1879. Esta conquista marcou o início do montanhismo no país, e por este motivo o Marumbi é considerado o berço do montanhismo no Brasil, atraindo trilheiros e montanhistas que buscam suas trilhas íngremes e centenas de vias de escalada.
O Marumbi é formado por diversos picos acima dos 1.000 m de altitude. O acesso é através de duas trilhas, para os picos Abrolhos (1.200m), Ponta do Tigre (1.400m), Gigante (1.487m) e Olimpo (1.539m). As duas trilhas formam um circuito, com início e fim na Estação Marumbi, podendo subir por uma e descer pela outra, ou vice-versa.
A trilha Noroeste (vermelha), chega primeiro na bifurcação para acesso ao Abrolhos e segue até a Ponta do Tigre. Esta via sobe vertentes da montanha, como o Vale das Lágrimas e da Catedral, e atravessa debaixo do Apartamento 11, um conjunto de rochas entre os maciços. Nível de dificuldade alta em 4 horas até a Ponta do Tigre e 1.000 m de desnível.
Da Ponta do Tigre a trilha segue até o Gigante e Olimpo. A trilha Frontal (branca), chega direto no ponto mais alto, o Pico Olimpo. Também considerada nível de dificuldade alta, com passagens em rampas de pedra, com grampos, correntes de ferro e cordas, em 4 horas até o Olimpo e 1.100 m de desnível.
Em caso de clima adverso reavalie a visitação, pois além de baixa visibilidade, o risco é alto devido ao terreno acidentado e declividade elevada. Contate o PEPM para mais informações e orientações.
Roteiro: Parque Estadual Pico do Marumbi (PEPM) – Morretes / PR
Ao pé da serra da Mantiqueira, zona rural de Pindamonhangaba, próximo ao bairro Ribeirão Grande, ouvimos falar de uma cachoeira escondida em uma pequena grota, camuflada dentro da mata, sem alguma indicação por placa.
A Cachoeira das Pacas foi esculpida pelas águas da serra em um leito rochoso com pouco desnível, construindo um belo e grande poço e uma inusitada toca.
Partindo de Ribeirão Grande, o primeiro caminho são cerca de 30 minutos e 10 km numa subida de serra onde um 4×4 vai ajudar muito. O outro são cerca de 17 km em 40 minutos, pela estrada municipal Claudio Ferreira de Macedo e estrada das Bicas até uma bifurcação antes de uma pequena ponte de pedra. Subir a esquerda na estrada e passar pela capela de Santa Luzia e uma porteira.
Em seguida, estacionar próximo a uma curva na estrada onde tem duas grandes árvores a esquerda. Deste ponto o início da trilha está à direita, no morro de pasto logo a frente, do outro lado de um pequeno riacho. Se quiser pode deixar o carro no estacionamento da capela e subir a pé pela estradinha de terra por uns 600 metros até o início da trilha. Então é seguir na trilha até a cachoeira.
Ao chegar na cachoeira, o destaque está no poço de água cristalina, ótimo para banho. Ao lado do poço, a esquerda, vemos uma grande laje de pedra se projetando para fora. Ao lado, a boca da toca está evidente e o acesso é fácil até o ponto final onde temos a vista do outro lado da pequena cachoeira e do poço. Da capela a cachoeira, a caminhada de ida e volta é cerca de 2,5 km.
Ao longo do vale do rio Paraíba do Sul, temos elevações naturais que se destacam das terras ao redor, descansando sob uma serra contínua e aparentemente suave, onde a vista consegue apenas distinguir uma silhueta uniforme em contraste com o azul.
É um ser vivo que abrasa, desgasta, sedimenta e se movimenta, ao longo de milhões e milhões de anos. Felizmente, estamos sobre terras contínuas, distante das zonas de convergência da crosta. Por isso mesmo, sem grandes elevações em altitude.
Em contrapartida, temos belezas naturais impares, ficando evidente quando caminhamos sobre elas. Nestas terras, não são as altitudes que nos deixam sem folego, e sim as condições climáticas e geográficas distintas que nos desafiam a cada jornada.
Logo, no cume do gigante, ao final da tarde, sua sombra escondeu Cruzeiro e parte da planície no vale. Quando desci o maciço o sol se arrumou do outro lado do horizonte e a face leste ficou ficou ao abrigo das sombras, com realce para outras cidades no vale.
Ao amanhecer, a montanha mostrou uma nova perspectiva. A face oeste estava mergulhada na escuridão, escondendo a magnitude da encosta íngreme e destaque para os cumes pontiagudos. Esta visão foi se modificando ao longo da caminhada.
Ao meio dia, a montanha se transformou em outra. Tom cinza, fendas escuras e vegetação esverdeada até as escarpas mais íngremes. Novamente o município de Cruzeiro aparece timidamente, distante, em linha reta, apenas quinze quilômetros do pico.
Na manhã seguinte, com o sol a pino, uma outra face se revelou, aparentemente arredondada e com visibilidade dos montanhistas notadamente minúsculos. Mais uma vez outra face se abriu, agora um imenso paredão rochoso.
O rochoso escarpado anunciou a grandeza do paredão. Uma enorme fenda ficou evidente. É o pulo do gato, uma pedra entalada entre a fenda e o abismo. Uma passagem necessária para em seguida fazer duas escalaminhadas e alcançar o cume.
Como a segurança deve estar em primeiro lugar, é recomendado usar uma corda de uns vinte metros, alguns mosquetões, fitas de escalada e cadeirinhas, para ancorar em ambos os lado e atravessar com segurança.
Ao descer o vale do Aiuruoca, à primeira vista temos a formação rochosa Ovos da Galinha e ao lado a pedra do Sino de Itatiaia. Como estávamos na Travessia do Rancho Caído, fizemos uma visitação nestes dois atrativos naturais.
Atravessando uma das nascentes do rio Aiuruoca, seguimos a direita com a visão da pedra do Sino e bem ao fundo a pedra do Altar. Paramos na sombra dos Ovos da Galinha para vislumbrar a imponência do maciço rochoso do Sino.
A trilha seguiu numa ascensão inicial mais inclinada e suavizou na metade da subida. Com olhar atento no caminho, que sutilmente se desenha nas curvas de nível e totens ao longo do trajeto, com uma vista panorâmica espetacular.
Assim, os Ovos da Galinha pareciam menores e outras formações rochosas curiosas surgiram quando atravessamos o trecho menos inclinado, com destaque para a serra ao fundo dos picos Marombinha e Maromba.
Ao chegar no cume, a 2.670 m de altitude, fomos primeiramente assinar o livro. Deste ponto, a amplitude do Parque Nacional de Itatiaia é imensa, com destaque para o pico Agulhas Negras, pedra do Altar e morro do Couto.
A visão é ampla, 360º a perder de vista. Com ajuda de um binóculo podemos ir longe na observação do caminho das trilhas, do acampamento Rancho Caído, e até do pico do Papagaio em Aiuruoca e pedra do Selado em Visconde de Mauá.
Acampar na montanha no inverno é uma experiência única e no mínimo especial. Requer uma dose de ousadia, vontade e equipamentos adequados para garantir sua segurança, sobrevivência e uma boa noite de sono.
O frio pode chegar ao extremo de temperaturas negativas. Essa dinâmica do clima está associada a fatores como latitude, altitude, relevo, vegetação, chuva, vento, entre outros. Além do nosso corpo também sentir a temperatura do ar de maneira aparente.
Chamamos isso de sensação térmica, sentimos que a temperatura está diferente da temperatura ambiente. Por exemplo, ao entrar num poço gelado, e ao sair, teremos a sensação que a temperatura do ambiente está mais agradável.
Nas montanhas brasileiras, no inverno, acima dos 2.000 m de altitude, é comum, no instante que o sol se pôr, em horas, a temperatura cair abruptamente em dezenas de graus célsius, e antes da meia noite facilmente chegar a 0ºC e negativo.
Então, a geada chega devagarinho, escondida na noite estrelada. É o orvalho congelado que, sob a forma de fina camada de gelo, recobre tudo que estiver ao relento. E assim, com certeza ao amanhecer o teto da barraca estará completamente congelado.
Ao caminhar na trilha, seguramente encontrará gelo acumulado no solo e sobre a vegetação. Facilmente conseguirá coletar placas de gelo as margens dos regatos, riachos e cachoeiras. Por horas esse gelo se conservará, mesmo em dias ensolarados do inverno.
Como disse, equipamentos adequados são essenciais para garantir sua sobrevivência. Por exemplo, o perigo da hipotermia é quando uma pessoa perde calor mais rápido do que pode mantê-la, em outras palavras, hipotermia é diminuição excessiva da temperatura corporal, abaixo dos 35°C.
Portanto, as roupas devem ser para temperaturas extremas, em camadas (1ª pele, 2ª pele), vestir um corta-vento, são fundamentais para manutenção da temperatura corporal. Para dormir, outros itens importantes são o isolante térmico e saco de dormir para baixas temperaturas.
Isso visto que o organismo humano, para realizar suas funções metabólicas, precisa apresentar temperatura entre 36°C e 37,5°C. Em temperaturas acima dos 37,5ºC ou abaixo dos 35ºC, irá causar problemas a saúde e requer atenção médica imediata.
Deslizamos montanha abaixo, rumo a uma jornada pelo litoral norte de São Paulo. Entre uma trilha e outra, surgiu uma oportunidade única: remar nas águas que banham esse trecho do litoral. Após planejamento, treinamento e avaliação das condições atmosféricas e marítimas, aceitei o convite de um amigo experiente em canoagem oceânica. Para mim, um novato nesse universo, esta seria uma experiência inaugural.
A manhã despertou bela, banhada por um sol radiante, vento brando e mar com ondas suaves. A partir do canal e da balsa de Ilhabela, saímos pela encosta direita da ilha de São Sebastião, seguindo próximo à margem rochosa, em direção à praia das Pedras Miúdas, próxima à Ilha das Cabras. Após contornar essa ilhota, remamos em direção à praia da Feiticeira, onde nossa aventura encontrou seu desfecho. Neste trajeto, margeamos a encosta de cinco pequenas praias encantadoras: Ilhote, Oscar, Tartaruga, Portinho e Sérgio.
A preparação prévia de treinamento na praia do Perequê revelou-se crucial. Até parecia que a remada espelhava o profissionalismo de canoístas experientes, pelo contrário, não era o meu caso. No final, o meu cansaço era aparente, mas energizado e com a sensação avassaladora de estar em sintonia com a natureza.
Acampar é uma experiência que nos conecta com a natureza. É uma oportunidade de escapar da agitação da vida cotidiana e entrar em um mundo onde o tempo parece desacelerar, onde não temos rotina, permitindo-nos ser um observador nato.
A natureza é uma companheira que sempre devemos acatar e respeitar. As noites são escuras, outras de céu estrelado, ou ainda iluminado pela lua cheia. As vezes bate uma brisa refrescante ou sopra uma ventania braba. Com a tempestade ou frio intenso, a brincadeira fica séria, exige atenção, conhecimento e preparação.
O encanto de acampar está na percepção da novidade, da eventualidade e da flexibilidade, na preparação do acampamento e do rancho, e na coleta e purificação da água. Como também no exercício da resiliência, e do altruísmo para o bom convívio, mesmo que por pouco tempo, entre amigos e companheiros.
Acampamento é a arte da sobrevivência ao ar livre. Montar um abrigo e cozinhar refeições em um fogareiro são habilidades básicas e essenciais. Ao longo do caminho, você descobre que a simplicidade do acampamento é uma lição valiosa, e muitas vezes precisamos de muito menos para viver feliz.
Acampar é também diversão e aventura, como caminhar em trilhas, nadar em riachos, subir as montanhas e observar a vida selvagem. Cada dia traz novas descobertas e desafios. Aliás, é aqui que mora o perigo. Seja por sua conta própria ou com profissionais da área, a segurança de todos deve estar em 1º lugar.
O acampamento além da experiência física, é também uma jornada emocional. Longe das distrações da vida moderna, você tem tempo para refletir, relaxar e se reconectar consigo mesmo e com os outros. As prosas ao redor da fogueira podem ser significativas e os companheiros de acampamento podem durar a vida toda.
No acampamento é oportuno se desconectar do mundo virtual e reconectar-se com a realidade natural e real. É um lembrete de que somos parte integrante da natureza. Quando voltamos para casa, muitas vezes trazemos conosco não apenas as memórias, mas também a vivencia desta experiência no mundo natural.
Afinal, o acampamento é uma jornada de autodescoberta, aventura e apreciação da natureza. É uma oportunidade de escapar da rotina e experimentar a magia do mundo ao ar livre. Se você ainda não teve a chance de acampar, planeje esta experiência!