Relatos em texto e fotos autorais, sobre caminhadas de curta, média, longa duração, em travessias e trilhas de um dia, finais de semana, feriados ou férias. Com grau de dificuldade fácil, média e difícil (hiking & trekking). Em ambientes no litoral, ilhas, montanhas (altas montanhas) e outros biomas como desertos, cerrado, caatinga, mata atlântica e Amazônia.
“Há árvores que observam. Entre cascas e veios, a natureza às vezes molda um olho — como se a floresta, em seu silêncio antigo, decidisse olhar de volta. A imagem captura um desses instantes — a presença viva de algo que nos observa.”
Dizem que toda floresta tem um coração vivo. Um olhar antigo, gravado em sua entranha, que observa o passar das eras sem jamais piscar. Às vezes, esse olhar aparece encravado em um tronco — a lembrança viva de que a Terra nos vê o tempo todo.
É real. Eles habitam um espaço-tempo alternativo. Formas luminosas dançam entre as árvores. Vozes sussurram na névoa que surge do nada. Seres que nascem do encontro entre os elementais da natureza.
Os antigos contavam que, ao entardecer, a floresta se move sutilmente, como se cada folha respirasse com consciência. E quem percebe o olho em alguma árvore, já foi tocado, mesmo sem saber, pelo espírito que habita tudo o que é vivo na mata.
Seria um guardião? Ou apenas a própria vida, olhando de volta, lembrando que há mundos inteiros vibrando sob nossas pegadas.
Na travessia do Parque Estadual da Serra do Papagaio, cada curva revela novos recortes no horizonte.
No segundo dia, após parada na Cachoeira do Juju, refrescamos corpo e alma antes de iniciar uma longa subida, contornando mais um morro. Entre trilhas suspeitas, desviamos para o Vale das Araucárias e, ao perceber o caminho errado, retornamos a esquerda até reencontrar a trilha principal no Rancho do Caçador.
Já havíamos atravessado a Serra da Vargem, Serra da Careta e Serra da Chapada, e agora avançávamos pela Serra do Charco, onde a Cachoeira do Charco, no Rio Baependi, corria vigorosa, exigindo atenção redobrada. Sem ponto seguro sobre as pedras, atravessamos o rio após a queda, com mochila e bastões firmes, enfrentando a correnteza com cuidado.
A subida seguinte serpenteou suavemente até um terreno alto e plano, entrando na Serra D’Itacolomi. Cada passo se recompensava com vistas deslumbrantes de campos abertos, montanhas distantes e a luz dourada do entardecer refletindo nos vales.
Um segundo dia longo, marcado por memórias vívidas e a certeza de que essa travessia seria inesquecível.
Se você é do tipo que aprecia trilhas longas, cercadas por natureza preservada e pelo som das águas, o Parque Nacional da Serra do Cipó – Portaria Areias, guarda um convite especial. Ali, entre paredões que formam um pequeno cânion e uma cachoeira de beleza imponente, a jornada combina tranquilidade e desafio na medida certa.
O Cânion das Bandeirinhas é moldado pela erosão das rochas quartzíticas. O ribeirão abriu um corte profundo na serra, revelando paredões de 80 m e piscinas naturais de água cristalina. A trilha segue por estradas e trechos planos, cruzando campos de cerrado, o Ribeirão dos Mascates e pequenos cursos d’água. Apesar do relevo suave, a distância total de 24 km e os trechos expostos ao sol exigem preparo.
A Cachoeira da Farofa surge em meio a vegetação do cerrado, encravada na serra, com quedas sucessivas, que somam cerca de 70 m de altura e desaguam em um poço profundo, cercado por paredões de rocha quartzítica. Um desvio de 4 km de ida e volta leva até ela, atravessando cursos d’água e campos ensolarados. Ao chegar, a água despenca no poço, criando um cenário que impressiona e envolve.
O dia termina no Mirante do Bem, a cerca de 1.000 m de altitude, com visão panorâmica do Vale dos Mascates e do Vale do Bocaina. Ao todo, percorremos 33 km em 8 horas – 10 km a pé e 23 km de bike – encerrando a jornada com a sensação de dever cumprido e conexão total com a natureza.
Estas trilhas podem ser percorridas a pé e de mountain bike. O nível de dificuldade pode ser considerado fácil a moderado, especialmente quando se combina os dois modos de deslocamento. Como o terreno é praticamente plano, a principal exigência está na extensão do percurso e nos trechos expostos ao sol. Independentemente do ritmo, com paradas para banho e descanso, trata-se de uma trilha que ocupa o dia inteiro.
A Cachoeira do Juju é uma das principais atrações da Travessia Baependi-Aiuruoca, localizada no Parque Estadual da Serra do Papagaio, em Minas Gerais. Durante a travessia, ela é visitada na manhã do segundo dia, em um trecho que desce a Serra da Chapada por uma trilha de fácil acesso, a apenas 2 km do acampamento Cabana PESP.
Há também um acesso alternativo – partindo do centro de Baependi, são 33 km por estrada de terra até um estacionamento, seguidos de 1 km a pé por trilha até o topo da cachoeira, a 1.580 metros de altitude. Seu principal atrativo é a piscina de borda infinita, formada pela queda de aproximadamente 130 metros – detalhe que passa despercebido para quem realiza a travessia.
Sem dúvida, a Cachoeira do Juju é uma parada obrigatória na travessia, oferecendo paisagens impressionantes e um banho revigorante na piscina de borda infinita.
No final de setembro, partimos rumo ao Parque Nacional da Serra do Cipó. As trilhas, embora longas, apresentam poucos desníveis, tornando a caminhada leve. Nesta época, o nível dos rios e ribeirões está baixo, permitindo acesso seguro a diversas cachoeiras – um dos grandes atrativos da região – que, durante a temporada de chuvas e trombas d’água, se tornam de difícil alcance, inclusive ao atravessar os cursos d’água.
Entramos pela portaria do Retiro e seguimos pela trilha principal até o primeiro desvio à direita, atravessando o rio Bocaina para adentrar um pequeno cânion. Seguimos pela margem oposta – o lado direito do rio que forma a cachoeira – e, a partir daí, o caminho acompanha o leito rochoso até a Cachoeira das Andorinhas, que despenca em duas quedas sobre um poço profundo e de águas tranquilas.
Retornando à trilha principal, caminhamos ao lado do rio Bocaina e, em poucos minutos, observamos a esquerda um alto paredão rochoso com uma vertente inclinada e profunda, anunciando uma nova queda d’água. Tímida nesta época, ela forma um belo poço de água translúcida, de temperatura agradável e fundo arenoso, facilitando o acesso à Cachoeira do Gavião. Ambas as vertentes desaguam no rio Bocaina.
Continuando pela trilha principal, pela margem esquerda, atravessamos um pequeno curso d’água e, em seguida alcançamos a margem direita, percorrendo cerca de quatro quilômetros até a Cachoeira do Tombador. Apesar do volume reduzido de água, formava um poço largo com uma pequena prainha de água doce, que facilitava o acesso à parte mais profunda e ao segundo poço, logo acima, entre as pedras.
No retorno, fizemos uma última parada no rio Bocaina, no ponto conhecido como Bambuzal. Com o leito baixo e sem correnteza, era possível caminhar rio acima por dezenas de metros até alcançar as partes mais profundas, observando pequenos cardumes de peixes através da água amarelada clara.
Entre caminhadas e banhos nos poços do rio e das cachoeiras, concluímos um dia intenso de 27 km percorridos a pé em 9 horas.
Durante uma trilha, a gente encontra muito mais do que árvores, pedras e rios. A gente encontra silêncio, encontro com o agora – e às vezes, até pequenas mensagens deixadas pela natureza ou por outros caminhantes atentos. Como aquele totem de pedras equilibradas sobre uma rocha no meio do riacho: simples, silencioso, mas cheio de significado.
Cada pedrinha ali foi escolhida e colocada com cuidado em cima da outra. Um gesto que fala de presença, de equilíbrio, de conexão. Um lembrete de que, mesmo no meio da correnteza, da vida ou da trilha, a gente pode parar. Respirar. Estar presente.
Após tanto caminhar, um amigo prepara o café. A simplicidade de um gesto. A chaleira verte lentamente a água quente sobre o pó, enquanto o som e o aroma se espalham no ar. O café escorre tranquilo, como o riacho, enchendo a xícara com calor e presença. A bandeja de madeira traz gravada uma palavra simples e profunda: amor.
Uma pausa com propósito deixa a conversa leve entre goles. Momentos assim têm o poder de se gravar na memória, muito mais do que qualquer foto.
Essas duas imagens – o totem no riacho e o café partilhado – se encontram numa mesma essência: a importância das pausas com significado. Em meio à vida, tudo convida a estar mais presente. A vida desacelera. E é aí que a gente percebe que as melhores partes da caminhada nem sempre estão no topo da montanha, mas nos pequenos rituais do caminho.
Experimente parar. Empilhe pedrinhas. Passe um café. Compartilhe. Porque estar na natureza é mais do que caminhar – é se reconectar com o que realmente importa.
Tem dias em que o vento parece falar, não em palavras, mas em empurrões e desconforto. Hoje foi um desses dias – e, mesmo assim, resolvemos subir a montanha.
O vento não parava. Ele não atrapalhava, mas também não dava descanso. Estava ali o tempo todo, como uma presença firme, lembrando da força da natureza. A trilha seguia a quase dois mil metros acima do nível do mar, aberta para o horizonte em todas as direções. O vale lá embaixo parecia distante, e o céu, mais perto do que nunca.
Quando o sol começou a descer, o céu transitou de um azul calmo para um laranja intenso. O vento seguia firme, trazendo um som constante e vibrante, alto demais para não ser ignorado, mas também convidava a um silêncio interno, que eu escolhi manter.
Mais tarde, dentro da barraca, com o vento ainda uivando lá fora, tentei acompanhar aquele som incessante, deixando que ele embalasse meus pensamentos. A noite estava escura, uma noite de lua nova, e as luzes das cidades que se espalhavam ao longo do vale brilhavam destemidas, como faróis iluminando todo o vale.
O vento não descansou durante a noite. Soprou firme, como se quisesse me lembrar de que ali, naquele lugar alto e exposto, não há pausa. Antes do amanhecer, saí da barraca. O céu ainda era escuro, mas já havia uma linha de luz crescendo no horizonte.
E ali, de pé, com o rosto voltado para o leste e o vento ainda presente, vi o dia nascer. Não havia espetáculo, só um lento clarear das formas e das cores. Talvez o vento não precise ser domado ou vencido. Talvez ele seja apenas um lembrete de que, mesmo quando tudo parece insistir em não parar, a única escolha é estar presente, aceitar o ritmo, escutar o que o silêncio por trás do barulho tem a dizer, e aprender a caminhar com o vento – não contra ele.
A trilha do Salto dos Macacos está localizada na região de Morretes, dentro do Parque Estadual Pico do Marumbi, no estado do Paraná. O acesso é feito pela histórica estrada Caminho do Itupava, até o posto do IAP em Porto de Cima, a cerca de 11 km do centro de Morretes.
A entrada no parque é gratuita, mas é necessário realizar um cadastro no posto e iniciar a trilha até às 9h, com retorno obrigatório até às 14h. Isso porque, no início do percurso, há duas travessias pelo rio Nhundiaquara, que podem se tornar perigosas em caso de cabeças d’água. Em dias com previsão de chuva, o acesso pode ser fechado sem aviso prévio por motivos de segurança.
A trilha começa com uma caminhada de aproximadamente 250 metros pela estrada, seguida pela primeira travessia do rio Nhundiaquara. A partir daí, o trajeto se torna mais desafiador e imersivo, subindo a Serra do Mar paranaense com um ganho de altitude de 300 metros – apesar disso, não apresenta grandes dificuldades técnicas.
O caminho segue por dentro da mata atlântica, passando por trechos de atoleiros, riachos e, ocasionalmente, obstáculos como árvores caídas. Após cerca de 3 horas de caminhada, o final da trilha desce em direção ao leito rochoso do rio dos Macacos.
O ponto alto do passeio são as piscinas naturais de águas cristalinas, perfeitas para um mergulho revigorante. A surpresa fica por conta do Salto dos Macacos, escondido entre as sombras da mata, inacessível devido ao terreno escarpado e escorregadio. Já a impressionante queda abrupta do rio oferece uma vista deslumbrante do Conjunto Marumbi.
Na subida da Serra da Balança, atravessamos a divisa entre o estado de São Paulo e Minas Gerais, mais precisamente de São Bento do Sapucaí para Gonçalves, em direção aos mirantes da Pedra Alta.
Em pouco mais de 4 km de caminhada em estradinha de terra e trilha, numa subida constante, chegamos na encosta rochosa até os mirantes da Pedra Alta. Um vislumbre de amplitude da paisagem, em tons verde, naquele cantinho da serra do Sul de Minas. Ali fica evidente o vale por onde subimos a serra. Ao lado a Pedra da Balança, e bem ao fundo, a silhueta do Complexo do Baú, composto pelas pedras Bauzinho, Baú e Ana Chata.
De braços abertos contemplamos aquela vista!
Voltamos pelo mesmo caminho em descida, e uma nova subida, agora dentro da mata, até chegar em uma encosta oposta ao lado rochoso da pedra, tendo como primeira vista, um pequeno vale verde, comum aquelas bandas do Sul de Minas. Enfim, em cerca de 3 km de caminhada chegamos no cruzeiro e mais a frente, no ponto mais alto da Pedra da Balança. Era meio dia em ponto. Paramos para lanchar e apreciar aquele outro lado da serra.
Com uma vista de quase 360º, mais próximo avistamos a Pedra do Cruzeiro, Pedra da Divisa e Cachoeira do Tobogã, e bem distante, apurando a visão nos detalhes, a Pedra do Baú, a cidade de São Bento do Sapucaí e a Pedra Bonita.
O retorno é praticamente uma descida constante em aproximadamente 4 km até a cachoeira do Tobogã. E antes de partir, um olhar quase magnetizado pela pedra.
A manhã nasceu tímida, envolta por nuvens e algumas brechas de sol. A temperatura era agradável, o vento soprava suave – mas bastaram poucos passos para o calor começar a cobrar seu preço – o suor já escorria pelo rosto.
No início da trilha, atravessamos um riacho, equilibrando-nos sobre pedras e charcos de barro, ainda caminhando em terreno plano. Ao nosso lado, a serra se erguia imponente – o cume, nosso destino final, parecia quase inalcançável lá no alto.
Pouco a pouco, o pasto verde cedeu lugar a uma mata fechada, e reencontramos o mesmo riacho que atravessáramos antes. Suas águas límpidas formavam poços tentadores para um mergulho – mas a jornada estava apenas começando. Seguimos adiante, agora em aclive permanente.
A subida, constante e desafiadora, nos levou por trechos escorregadios e pedregosos. De tempos em tempos, uma janela nas nuvens surgia, permitindo olhar para trás e avistar, pequenino, o vale de onde partimos.
Em uma hora e meia, chegamos à primeira bifurcação, já 375 metros acima do ponto de partida. Mais trinta minutos de esforço e vencemos a segunda bifurcação, acumulando 555 metros de desnível – a metade do caminho. Foi aí que a trilha se mostrou desafiadora: o terreno ficou mais íngreme, o barro e as pedras tornaram cada passo uma luta.
Após três horas de caminhada, atingimos a terceira bifurcação, com um desnível de 970 metros. Fizemos uma pausa rápida para recuperar o fôlego e, com as energias renovadas, enfrentamos o último trecho de subida rumo ao cume do Pico do Itapeva.
Em cerca de três horas e meia, completamos a ascensão, alcançando 1.170 metros de ganho de altitude. Hora de hidratar, comer frutas e a famosa “misturinha” para reabastecer as forças.
A nebulosidade continuava dominante, permitindo apenas vislumbres do vale e da serra abaixo. Na descida, depois da terceira bifurcação, avistamos dois pequenos morros convidativos, que prometiam vistas panorâmicas incríveis e, atravessando um deles, poderíamos visitar uma cachoeira e ruínas de uma antiga arquearia. Uma tentação a ser explorada em outra aventura.
Por volta do meio-dia, o céu escureceu de repente – e a tempestade desabou. Bem diferente da previsão, a trilha virou um riacho em fúria, com pequenas cascatas se formando onde antes era só barro e pedra. A dificuldade na descida triplicou até chegar na segunda bifurcação. Depois disso, a chuva diminuiu, mas o terreno continuou traiçoeiro até o Ribeirão Grande.
Foi uma jornada intensa, desafiadora e inesquecível. No fim, somamos um impressionante desnível em altitude de 2.340 metros entre subida e descida.