Cada Pedra uma História

Apesar de já ter explorado muitas trilhas pela Serra da Mantiqueira, essa jornada teve um sabor especial. O formato de “travessia e circuito” trouxe um desafio a mais – não apenas pela distância percorrida, mas pelo desnível em plena Mata Atlântica. Deixamos de lado a tranquilidade carnavalesca de São Francisco Xavier para nos perdermos na beleza do entardecer avermelhado que tingia as montanhas do Sul de Minas, e à noite, a lua nova, tímida, despontava sobre Monte Verde.

A natureza, como sempre, nos reservou surpresas. Após cruzarmos o Vale dos Duendes, devido ao som de galhos quebrando, fomos presenteados com a rara visão de um grupo de muriquis – serenos, balançando entre as copas das árvores. Mas o grande susto da expedição veio à noite, já acampados na mata próxima à Pedra da Lua. Um ruído constante, como de uma “garoa fina”, revelou-se algo inusitado – centenas de formigas cruzando nosso acampamento.

No dia seguinte, a trilha mostrou sua face mais impiedosa. A metade do percurso foi marcada por obstáculos naturais – árvores e bambus caídos cobrindo a trilha, exigindo fôlego e atenção redobrada. Ainda assim, a recompensa veio com o entardecer, quando alcançamos o Acampamento dos Mirantes. Como de costume, após o jantar, seguimos até o mirante da Pedra Bela Vista. Lá, mais uma vez, nos rendemos à vista noturna e estonteante do Vale do Paraíba.

Foi uma aventura repleta de descobertas – entre elas, a bela revelação da Pedra da Lua, do lado mineiro da serra. Dali, cada formação rochosa parecia contar uma história, compondo uma vista de beleza singular que ficará para sempre na memória.

Belvedere do Serrano

Após trilhas e passos, cansados e plenos,

Pelas pedras que guardam segredos terrenos,

Cruzamos a serra ao entardecer,

Entre Minas e São Paulo, a estrada a descer.

E eis que surge, em madeira erguido,

O Belvedere, um sonho esculpido,

Um deck altivo, em brisa envolto,

Que abraça a vista num olhar solto.

O vale se estende em tons de esplendor,

Serrano emoldura o quadro em cor,

E lá no fundo, sereno e pequenino,

São Bento repousa, quase divino.

As sombras vestem as montanhas em véu,

A Balança e a Divisa tocam o céu,

Enquanto, iluminado, imenso a brilhar,

O Baú, Bauzinho e Ana Chata se põem a dançar.

Belvedere, poesia esculpida em olhar,

Janela do mundo a nos encantar,

Onde a alma repousa, onde o tempo é brisa,

E a vista, infinita, jamais se desfaz.

Um Lugar de Grande Brilho

No alto da montanha, sob a luz prateada da lua cheia, o tempo parecia desacelerar. A pequena fogueira crepitava suavemente, lançando sombras dançantes sobre a noite ao redor. O frescor da altitude trazia o cheiro da terra e da lenha queimando, enquanto as estrelas, incontáveis e brilhantes, se espalhavam e sumiam com a bruma aparente, como um manto sobre nós.

Lá embaixo, no vale, as luzes das cidades piscavam como vagalumes, um oceano dourado em movimento lento e cintilante, revelando histórias silenciosas de vidas entrelaçadas. Mas ali, no topo do Diamante, éramos nós, o fogo e a imensidão do universo. Tanto que, na quietude da noite, ouvi o fervor do ronco da água fluida das vertentes, nascidas no silencio da serra.

Quando o amanhecer chegou, tímido, escondido atrás das nuvens, se refletiu nos fachos das nuvens ruborizadas. E assim, o dia clareou o firmamento, tingindo o horizonte com um brilho suave e cálido. Um instante que se fez eterno, como uma alma livre. Senti paralisado nas ações e pensamentos, com a respiração pausada. O coração compreendeu, sem palavras, o significado.

Cachoeira do Índio – Pindamonhangaba

Era segunda-feira, véspera do último dia do ano. A cada passo na trilha úmida e escorregadia, a Mata Atlântica parecia sussurrar segredos antigos. O cheiro terroso da vegetação densa misturava-se com o som da mata viva, com o encanto dos pássaros ecoando cantos de paz. Raízes, lama, descidas e subidas íngremes testavam o nosso fôlego. E então, lá estava ela. A imponente Cachoeira do Índio surgia como uma força da natureza, escondida no coração da mata virgem. Seus cem metros de águas turbulentas despencavam com uma fúria indomável, criando uma névoa refrescante que se misturava ao vento. O rugido da água ecoava pela floresta, um lembrete do poder bruto e da beleza selvagem do mundo natural. Era mais do que uma paisagem, era um momento gravado na alma.

Feliz e Próspero 2025!

Pura Conexão com a Natureza

Desta vez, como ninguém é de ferro, descemos a Serra do Mar, com amigos de São Paulo, para fazermos duas trilhas fáceis, no sul do Rio de Janeiro, região de Parati Mirim.

O sábado amanheceu cinzento e garoando, então, pé na trilha da Praia do Furado. A cada passo um tesouro natural foi revelado: um trecho da mata atlântica, o rio Parati Mirim, a pequena Praia da Bruna para finalizar na Praia do Furado. Um recanto de quietude e calmaria, escondido no Saco do Fundão. Praticamente um aquário natural de água cristalina. Um convite ao mergulho para avistar cardumes de pequenos peixes, conchas do mar e esqueletos de bolachas-do-mar. Uma praia abrigada, sem ondas, quase selvagem.

Na sequência, parada na praia de Parati Mirim para celebrar com os amigos de São Paulo. Ao final do dia, pernoitamos no Remo Hostel, uma hospedaria embrenhada na mata.

O domingo amanheceu nublado com um tímido sol. Após café da manhã pegamos o barco no cais de Parati Mirim. Seguimos para o Saco do Mamanguá, em um mar sossegado, até a Praia do Cruzeiro. Deste ponto, iniciamos a trilha, numa subida constante até o Pico Pão de Açúcar. A 425 m de altitude, com nuvens indo e vindo, a vista se abriu aos poucos. Em dias sem nuvens, conseguiremos avistar diversas praias do Saco do Mamanguá, Ilha do Algodão, Ilha Grande, PE da Serra do Mar, PN da Serra da Bocaina e Pedra do Frade.

Um final de semana de pura conexão com a natureza. Foram 6 quilômetros de trilhas, conectado com a simplicidade local e a beleza natural do litoral sul do Rio de Janeiro.

Temporada de Montanha 2024

Começamos a temporada em maio, no Parque Nacional de Itatiaia, com Morro do Couto, Circuito Cinco Lagos e Pedra do Altar. O desafio mesmo foi a Travessia Rancho Caído passando pelos Vales do Aiuruoca e dos Dinossauros, acesso a Pedra Ovos da Galinha, ascensão a Pedra do Sino, Picos Marombinha e Maromba, e visita as Cachoeiras Rancho Caído, dos Macacos e do Escorrega.

No final de maio e início de junho trilhamos a meia Travessia Marins-Itaguaré, sentido ida-volta Itaguaré-Pedra Redonda, com registro de mínima de 8ºC negativo no acampamento base Itaguaré. Ainda em junho visitamos os cinco mirantes na Trilha dos Mirantes com acampamento selvagem a 2.000 m de altitude, Serra da Mantiqueira.

Em julho, com amigos de São Paulo, fizemos um bate-volta até a Pedra do Abismo, Serra dos Poncianos, e visitação a Pedra da Onça, do Livro, Bosque dos Duendes e Pedrão Cheiro da Mata. Retornamos ao Parque Nacional de Itatiaia nas trilhas Pedra da Maça/Tartaruga, Base Prateleiras, Toca do Índio, Chapada da Lua, Mirante Cabeça do Leão e Pedra do Registro/Paredão dos Enamorados.

Em agosto retornamos na Trilha dos Mirantes em um bate-volta. Finalizamos a temporada em setembro, nas trilhas do Parque Estadual Pico do Marumbi na serra paranaense, nas trilhas do Caminho do Itupava – Cadeado e IAP Prainhas, visitação a Pedra Lascada, Cemitério dos Cadeados, Rochedinho, Rio Nhundiaquara, Cachoeira dos Marumbinistas e Trilha Frontal até o Pico Olimpo.

Contabilizamos 18 dias de trilhas e travessias em montanhas, atravessando serras e vales, bosques e matas, picos e cachoeiras, em 148 km e 84 horas.

O Canto da Floresta

Era manhã de primavera e a floresta despertara lentamente sob uma névoa suave, úmida, impregnada de aromas florais e terrais, sobre os primeiros raios de sol, um espetáculo de luz e sombra. Era uma sensação estranha, a floresta estava mais íntima. Fechei os olhos e respirei profundamente. Senti a névoa dançar ao redor, sob um manto de encanto e mistério. Um lembrete de que a vida fervilhava em cada canto.

Algo diferente pairava no ar. Pela secura do tempo, o caminho estava coberto de folhas e raízes. Da terra brotava uma energia preguiçosa. As serpentes deslizavam silenciosamente sobre as folhas secas, enquanto que os roedores espreitavam astutamente sobre os arbustos. As flores começaram a desabrochar, ainda acanhadas dentro da selva escura, e ao apurar o olhar, os insetos dançavam sobre as folhas.

Uma verdadeira sinfonia agitava a floresta, os pássaros pareciam compartilhar alegrias e segredos. Estavam todos por ali, apesar que mal conseguia avistá-los. Desta vez não haviam pássaros coloridos exibindo suas plumagens. O canto era consistente, obstinado e requintado. Era como se cada canto fosse uma celebração a vida. Naquele dia a floresta amplificou todos sons e nos presenteou com a magia da primavera.

Cachoeira e Toca das Pacas

Ao pé da serra da Mantiqueira, zona rural de Pindamonhangaba, próximo ao bairro Ribeirão Grande, ouvimos falar de uma cachoeira escondida em uma pequena grota, camuflada dentro da mata, sem alguma indicação por placa.

A Cachoeira das Pacas foi esculpida pelas águas da serra em um leito rochoso com pouco desnível, construindo um belo e grande poço e uma inusitada toca.

Partindo de Ribeirão Grande, o primeiro caminho são cerca de 30 minutos e 10 km numa subida de serra onde um 4×4 vai ajudar muito. O outro são cerca de 17 km em 40 minutos, pela estrada municipal Claudio Ferreira de Macedo e estrada das Bicas até uma bifurcação antes de uma pequena ponte de pedra. Subir a esquerda na estrada e passar pela capela de Santa Luzia e uma porteira.   

Em seguida, estacionar próximo a uma curva na estrada onde tem duas grandes árvores a esquerda. Deste ponto o início da trilha está à direita, no morro de pasto logo a frente, do outro lado de um pequeno riacho. Se quiser pode deixar o carro no estacionamento da capela e subir a pé pela estradinha de terra por uns 600 metros até o início da trilha. Então é seguir na trilha até a cachoeira.

Ao chegar na cachoeira, o destaque está no poço de água cristalina, ótimo para banho. Ao lado do poço, a esquerda, vemos uma grande laje de pedra se projetando para fora. Ao lado, a boca da toca está evidente e o acesso é fácil até o ponto final onde temos a vista do outro lado da pequena cachoeira e do poço. Da capela a cachoeira, a caminhada de ida e volta é cerca de 2,5 km.

Uma Elevação em Perspectiva

Ao longo do vale do rio Paraíba do Sul, temos elevações naturais que se destacam das terras ao redor, descansando sob uma serra contínua e aparentemente suave, onde a vista consegue apenas distinguir uma silhueta uniforme em contraste com o azul.

É um ser vivo que abrasa, desgasta, sedimenta e se movimenta, ao longo de milhões e milhões de anos. Felizmente, estamos sobre terras contínuas, distante das zonas de convergência da crosta. Por isso mesmo, sem grandes elevações em altitude.

Em contrapartida, temos belezas naturais impares, ficando evidente quando caminhamos sobre elas. Nestas terras, não são as altitudes que nos deixam sem folego, e sim as condições climáticas e geográficas distintas que nos desafiam a cada jornada.

Logo, no cume do gigante, ao final da tarde, sua sombra escondeu Cruzeiro e parte da planície no vale. Quando desci o maciço o sol se arrumou do outro lado do horizonte e a face leste ficou ficou ao abrigo das sombras, com realce para outras cidades no vale.

Ao amanhecer, a montanha mostrou uma nova perspectiva. A face oeste estava mergulhada na escuridão, escondendo a magnitude da encosta íngreme e destaque para os cumes pontiagudos. Esta visão foi se modificando ao longo da caminhada.

Ao meio dia, a montanha se transformou em outra. Tom cinza, fendas escuras e vegetação esverdeada até as escarpas mais íngremes. Novamente o município de Cruzeiro aparece timidamente, distante, em linha reta, apenas quinze quilômetros do pico.

Na manhã seguinte, com o sol a pino, uma outra face se revelou, aparentemente arredondada e com visibilidade dos montanhistas notadamente minúsculos. Mais uma vez outra face se abriu, agora um imenso paredão rochoso.

O rochoso escarpado anunciou a grandeza do paredão. Uma enorme fenda ficou evidente. É o pulo do gato, uma pedra entalada entre a fenda e o abismo. Uma passagem necessária para em seguida fazer duas escalaminhadas e alcançar o cume.

Como a segurança deve estar em primeiro lugar, é recomendado usar uma corda de uns vinte metros, alguns mosquetões, fitas de escalada e cadeirinhas, para  ancorar em ambos os lado e atravessar com segurança.

Pedra do Sino de Itatiaia

Ao descer o vale do Aiuruoca, à primeira vista temos a formação rochosa Ovos da Galinha e ao lado a pedra do Sino de Itatiaia. Como estávamos na Travessia do Rancho Caído, fizemos uma visitação nestes dois atrativos naturais.

Atravessando uma das nascentes do rio Aiuruoca, seguimos a direita com a visão da pedra do Sino e bem ao fundo a pedra do Altar. Paramos na sombra dos Ovos da Galinha para vislumbrar a imponência do maciço rochoso do Sino.

A trilha seguiu numa ascensão inicial mais inclinada e suavizou na metade da subida. Com olhar atento no caminho, que sutilmente se desenha nas curvas de nível e totens ao longo do trajeto, com uma vista panorâmica espetacular.

Assim, os Ovos da Galinha pareciam menores e outras formações rochosas curiosas surgiram quando atravessamos o trecho menos inclinado, com destaque para a serra ao fundo dos picos Marombinha e Maromba.

Ao chegar no cume, a 2.670 m de altitude, fomos primeiramente assinar o livro. Deste ponto, a amplitude do Parque Nacional de Itatiaia é imensa, com destaque para o pico Agulhas Negras, pedra do Altar e morro do Couto.

A visão é ampla, 360º a perder de vista. Com ajuda de um binóculo podemos ir longe na observação do caminho das trilhas, do acampamento Rancho Caído, e até do pico do Papagaio em Aiuruoca e pedra do Selado em Visconde de Mauá.